Cinco Minutos
V
Assim ficamos muito tempo imóveis, ela, com a fronte apoiada sobre o meu peito, eu, sob a impressão triste de suas palavras.
Por fim ergueu a cabeça; e, recobrando a sua serenidade, disse-me com um tom doce e melancólico:
- Não pensas que melhor é esquecer do que amar assim?
- Não! Amar, sentir-se amado, é sempre um gozo imenso e um grande consolo para a desgraça. O que é triste, o que é cruel, não é essa viuvez da alma separada de sua irmã, não; aí há um sentimento que vive, apesar da morte, apesar do tempo. É, sim, esse vácuo do coração que não tem uma afeição no mundo, e que passa como um estranho por entre os prazeres que o cercam.
- Que santo amor, meu Deus! Era assim que eu sonhava ser amada!...
- E me pedias que te esquecesse!...
- Não! não! Ama-me; quero que me ames, ao menos...
- Não me fugirás mais?
- Não.
- E me deixarás ver aquela que eu amo, e que não conheço? perguntei sorrindo.
- Desejas?
- Suplico-te!
- Não sou eu tua?...
Lancei-me para a saleta onde havia luz, e coloquei o lampião sobre a mesa do gabinete em que estávamos.
Para mim, minha prima, era um momento solene; toda essa paixão violenta, incompreensível, todo esse amor ardente por um vulto de mulher, ia depender talvez de um olhar.
E tinha medo de ver esvaecer-se, como um fantasma em face da realidade, essa visão poética de minha imaginação, essa criação que resumia todos os tipos.
Foi, portanto, com uma emoção extraordinária que, depois de colocar a luz, voltei-me.
Ah!...
Eu sabia que era bela; mas a minha imaginação apenas tinha esboçado o que Deus criara.
Ela olhava-me e sorria.
Era um ligeiro sorriso, uma flor que se desfolhava nos seus lábios, um reflexo que iluminava o seu lindo rosto.
Seus grandes olhos negros fitavam em mim um desses olhares lânguidos e aveludados que afagam os seios d'alma.
Um anel de cabelos negros brincava-lhe sobre o ombro, fazendo sobressair a alvura diáfana de seu colo gracioso.
Tudo quanto a arte tem sonhado de belo e de voluptuoso desenhava-se naquelas formas soberbas, naqueles contornos harmoniosos que se destacavam entre as ondas de cambraia de seu roupão branco.
Vi tudo isto de um só olhar, rápido, ardente e fascinado! depois fui ajoelhar-me diante dela, e esqueci-me a contemplá-la.
Ela me sorria sempre, e se deixava admirar.
Por fim tomou-me a cabeça entre as mãos, e seus lábios fecharam-me os olhos com um beijo.
- Ama-me, disse.
O sonho esvaeceu-se.
A porta da sala fechou-se sobre ela; tinha-me fugido.
Voltei ao hotel.
Abri a minha janela, e sentei-me ao relento.
A brisa da noite trazia-me de vez em quando um aroma de plantas agrestes que me causava íntimo prazer.
Fazia-me lembrar da vida campestre, dessa existência doce e tranqüila que se passa longe das cidades, quase no seio da natureza.
Pensava como seria feliz vivendo com ela em algum canto isolado, onde pudéssemos abrigar o nosso amor em um leito de flores e de relva.
Fazia na imaginação um idílio encantador, e sentia-me tão feliz que não trocaria a minha cabana pelo mais rico palácio da terra.
Ela me amava.
Só essa idéia embelezava tudo para mim; a noite escura de Petrópolis parecia-me poética e o murmurejar triste das águas do canal tornava-se-me agradável.
Uma coisa, porém, perturbava essa felicidade; era um ponto negro, uma nuvem escura que toldava o céu da minha noite de amor.
Lembrava-me daquelas palavras tão cheias de angústia e tão sentidas, que pareciam explicar a causa de sua reserva para comigo: havia nisto um quer que seja que eu não compreendia.
Mas esta lembrança desaparecia logo sob a impressão de seu sorriso, que eu tinha em minh'alma, de seu olhar, que eu guardava no coração, e de seus lábios, cujo contato ainda sentia.
Dormi embalado por estes sonhos e só acordei quando um raio de sol, alegre e travesso, veio bater-me nas pálpebras e dar-me o bom dia.
O meu primeiro pensamento foi ir saudar a minha casinha; estava fechada.
Eram oito horas.
Resolvi dar um passeio para disfarçar a minha impaciência; voltando ao hotel, o criado disse-me terem trazido um objeto que recomendaram me fosse entregue logo.
Em Petrópolis não conhecia ninguém; devia ser dela.
Corri ao meu quarto, e achei sobre a mesa uma caixinha de pau-cetim; na tampa havia duas letras de tartaruga incrustadas: C. L.
A chave estava fechada em uma sobrecarta com endereço a mim; dispus-me a abrir a caixa com a mão trêmula e tomado por um triste pressentimento.
Parecia-me que naquele cofre perfumado estava encerrada a minha vida, o meu amor, toda a minha felicidade.
Abri.
Continha o seu retrato, alguns fios de cabelos e duas folhas de papel escritas por ela e que li de surpresa em surpresa.
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