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TERCEIRA PARTE

CAPÍTULO X

Todavia, enquanto tão ruidosamente crepitava o baile, Miguel, ignorado e só, nos fundos trevosos do jardim, espiava afoitamente a turbulência da festa, escondido como um réptil nos grutescos de uma fonte artificial.

Quem de perto pudesse lhe observar a figura, notar-lhe-ia no olhar desvairado e redondo, um impaciência feliz, um raio de sinistro contentamento, que lhe iluminava a fisionomia com o mesmo luzir fúnebre da lâmina da guilhotina no rosto do condenado.

Subitamente, o escondido endireitou-se, colou cuidadosamente o ouvido à parede e pôs-se a escutar silenciosamente, sentiu passos.

Era alguém que, fugindo à agitação das salas, procurava refugiar-se no jardim e descansar o seu aborrecimento, sozinho e tranqüilo nos bancos de pedra, que pitorescamente guarneciam um aprazível chafariz de jaspe.

Miguel viu chegar um vulto e estremeceu reconhecendo-o; os seus olhos reverberavam com mais vermelhidão; os seus lábios semi-abertos sussurraram alguns sons confusos e ásperos, enquanto o recém-chegado, satisfeito de si, esfregava as mãos, saboreando o aspecto festivo e luxuoso do edifício; depois, o vulto sentou-se meditativo no banco de pedra e permaneceu algum tempo de cabeça baixa e gesto concentrado.

Profundo devia ser esse meditar que não dava de perceber os passos abafados de Miguel, que, como uma pantera, se encaminhava das sombras da gruta para ele, sem lhe arredar de cima os olhos ardentes e raiados.

O artista, ao chegar às costas do velho, estacou e entrou consigo a contemplá-lo em atencioso silêncio, indicando, com um movimento afirmativo de cabeça, o bom resultado de suas observações; alguns segundos depois, chegou-se mais dele e de rijo tocou-lhe com a mão no ombro.

O vulto voltou-se de súbito e, encarando o rosto transformado do artista, desviava vagarosamente o seu, aterrado pela fixidez sinistra dos olhos cavos e luzentes, que pareciam querer devorá-lo; Miguel inclinou-se para ele a rir-se surdamente, com esse rir que exprime o contentamento da vingança que se vai fartar, o rir do faminto que depois de longa viagem descobre o que comer.

O vulto, segurando-se com a mão fria na pedra ainda mais fria do banco, continuava a retrair-se, como atacado de cólicas horríveis; torpor aviltante corria-lhe pelos membros frouxos e enervados e transpirava-lhe no gesto suarento o medo com todas as suas cores mais vergonhosas.

Contemplavam-se os dois, trêmulos... um de raiva, o outro de medo.

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