Eu |
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Outros Poemas Esquecidos
Abandonada
Ceticismo
A Máscara
O Coveiro
Pecadora
No Claustro
Il Trovatore
A Louca
Primavera
A Esperança
Soneto (Senhora, Eu Trajo...)
Sofredora
Ecos DÁlma
Amor E Crença
Ariana
Tempos Idos
Soneto (Na Rua em funeral...)
Soneto (Adeus,Adeus,Adeus!...)
A Aeronave
Lirial
A Minha Estrela
Soneto (A Praça Estava Cheia...)
Versos D'Um Exilado
Ave Dolorosa
Nimbus
No Campo
Insânia
O Bandolin
Ara Maldita
Soneto (Na Eterna Limpidez...)
Treva e Luz
Soneto (O Templo da Descrença...)
A Peste
Ideal
Sombra Imortal
Coração Frio
Noturno
Sedutora
Pelo Mundo
Soneto (E o Mar Gemeu...)
O Riso
Soneto (Vamos Querida!...)
A Uma Mártir
Pelo Mar
Pallida Luna
A Morte de Vênus
Sonho de Amor
Soneto (A orgia mata...)
Soneto (E Ele Morreu...)
Vae Victis
A Dor
Terra Fúnebre
Soneto (O Sonho, A Crença...)
Meditando
Soneto (Para Que Nesta Vida...)
O Ébrio
O Canto Da Coruja
Nome Maldito
Dolências
A Lágrima
Ave Libertas
Quadras
Vênus Morta
Ode Ao Amor
Canto de Agonia
História De Um Vencido
Estrofes Sentidas
ABANDONADA
Bem depressa sumiu-se a vaporosa
Nuvem de amores, de ilusões tão bela;
O brilho se pagou daquela estrela
Que a vida lhe tornava venturosa!
Sombras que passam, sombras oor-de-rosa
- Todas se foram num festivo bando,
Fugazes sonhos, gárrulos voando
- Resta somente um'alma tristurosa!
Coitada! o gozo lhe fugiu correndo,
Hoje ela habita a erma soledade,
Em que vive e em que aos poucos vai morrendo!
Seu rosto triste, seu olhar magoado,
Fazem lembrar em noute de saudade
A luz mortiça d'um olhar nublado.
CETICISMO
Desci um dia ao tenebroso abismo,
Onde a Dúvida ergueu altar profano;
Cansado de lutar no mundo insano
Fraco que sou volvi ao ceticismo.
Da Igreja - a Grande Mãe - o exorcismo
Terrível me feriu, e então sereno
De joelhos aos pés do Nazareno
Baixo rezei em fundo misticismo:
- Oh! Deus, eu creio em ti, mas me perdoa!
Se esta dúvida cruel qual me magoa
Me torna ínfimo, desgraçado réu.
Ah, entre o medo que o meu ser aterra,
Não sei se viva pra morrer na terra,
Não sei se morra p'ra viver no céu!
A MÁSCARA
Eu sei que há muito pranto na existência,
Dores que ferem corações de pedra,
E onde a vida borbulha e o sangue medra,
Aí existe a mágoa em sua essência.
No delírio, porém, da febre ardente
Da ventura fugaz e transitória
O peito rompe a capa tormentória
Para sorrindo palpitar contente.
Assim a turba inconsciente passa,
Muitos que esgotam do prazer a taça
Sentem no peito a dor indefinida.
E entre a mágoa que a másc'ra eterna apouca
A Humanidade ri-se e ri-se louca
No carnaval intérmino da vida.
O COVEIRO
Uma tarde de abril suave e pura
Visitava eu somente ao derradeiro
Lar; tinha ido ver a sepultura
De um ente caro, amigo verdadeiro.
Lá encontrei um pálido coveiro
Com a cabeça para o chão pendida;
Eu senti a minh'alma entristecida
E interroguei-o: "Eterno companheiro
Da morte, quem matou-te o coração?"
Ele apontou para uma cruz no chão,
Ali jazia o seu amor primeiro!
Depois, tomando a enxada, gravemente,
Balbuciou, sorrindo tristemente:
- "Ai, foi por isso que me fiz coveiro!"
PECADORA
Tinha no olhar cetíneo, aveludado,
A chama cruel que arrasta os corações,
Os seios rijos eram dois brasões
Onde fulgia o símb'lo do pecado.
Bela, divina, o porte emoldurado
No mármore sublime dos contornos,
Os seios brancos, palpitantes, mornos,
Dançavam-lhe no colo perfumado.
No entanto, esta mulher de grã beleza,
Moldada pela mão da Natureza,
Tornou-se a pecadora vil. Do fado
Do destino fatal, presa, morria,
Uma noite entre as vascas da agonia,
Tendo no corpo o verme do pecado!
NO CLAUSTRO
Pelas do claustro salas silenciosas,
De lutulentas, úmidas arcadas,
Na vastidão silente das caladas
Abóbadas sombrias tenebrosas,
Vagueiam tristemente desfiladas
De freiras e de monjas tristurosas,
Que guardam cinzas de ilusões passadas,
Que guardam pét'las de funéreas rosas.
E â noute quando rezam na clausura,
No sigilo das rezas misteriosas,
Nem a sombra mais leve de ventura!
Só as arcadas ogivais desnudas,
E as mesmas monjas sempre tristurosas,
E as mesmas portas impassíveis, mudas!
IL TROVATORE
Canta da torre o trovador saudoso
- Addio, Eleonora! oh! sonhos meus!
E o canto se desprende harmonioso,
Na vibração final do extremo adeus.
Repercute dolente, mavioso,
Subindo pelo Azul da Inspiração;
Assim canta também meu coração,
Trovador torturado e angustioso,
Ai! não, não acordeis, lembranças minhas!
Saudade d'umas noutes em que vinhas
Cantar comigo um doce desafio!
Mas, pouco a pouco, os sons esmorecendo,
Perdem-se as notas pelo Azul morrendo,
- Addio Eleonora, addio, addio!
A LOUCA
Quando ela passa: - a veste desgrenhada,
O cabelo revolto em desalinho,
No seu olhar feroz eu adivinho
O mistério da dor que a traz penada.
Moça, tão moça e já desventurada;
Da desdita ferida pelo espinho,
Vai morta em vida assim pelo caminho,
No sudário da mágoa sepultada.
Eu sei a sua história. - Em seu passado
Houve um drama d'amor misterioso
- O segredo d'um peito torturado -
E hoje, para guardar a mágoa oculta,
Canta, soluça - o coração saudoso,
Chora, gargalha, a desgraçada estulta.
PRIMAVERA
Primavera gentil dos meus amores,
- Arca cerúlea de ilusões etéreas,
Chova-te o Céu cintilações sidéreas
E a terra chova no teu seio flores!
Esplende, Primavera, os teus fulgores,
Na auréola azul, dos dias teus risonhos,
Tu que sorveste o fel das minhas dores
E me trouxeste o néctar dos teus sonhos!
Cedo virá, porém, o triste outono,
Os dias voltarão a ser tristonhos
E tu hás de dormir o eterno sono,
Num sepulcro de rosas e de flores,
Arca sagrada de cerúleos sonhos,
Primavera gentil dos meus amores!
A ESPERANÇAA Esperança não murcha, ela não cansa,
Também como ela não sucumbe a Crença.
Vão-se sonhos nas asas da Descrença,
Voltam sonhos nas asas da Esperança.
Muita gente infeliz assim não pensa;
No entanto o mundo é uma ilusão completa,
E não é a Esperança por sentença
Este laço que ao mundo nos manieta?
Mocidade, portanto, ergue o teu grito,
Sirva-te a Crença de fanal bendito,
Salve-te a glória no futuro - avança!
E eu, que vivo atrelado ao desalento,
Também espero o fim do meu tormento,
Na voz da Morte a me bradar; descansa!
SONETO
Senhora, eu trajo o luto do Passado,
Este luto sem fim que é o meu Calvário
E ansio e choro, delirante e vário,
Sonâmbulo da dor angustiado.
Quantas venturas que me acalentaram!
Meu peito túm'lo do prazer finado
Foi outrora do riso abençoado,
O berço onde as venturas se embalaram.
Mas não queiras saber nunca risonha
O mistério d'um peito que estertora
E o segredo d'um'alma que não sonha!
Não, não busques saber porque, Senhora,
É minha sina perenal, tristonha
- Cantar o Ocaso quando surge a Aurora.
SOFREDORA
Cobre-lhe a fria palidez do rosto
O sendal da tristeza que a desola;
Chora - o orvalho do pranto lhe perola
As faces maceradas de desgosto.
Quando o rosário de seu pranto rola,
Das brancas rosas do seu triste rosto
Que rolam murchas como um sol já posto
Um perfume de lágrimas se evola.
Tenta às vezes, porém, nervosa e louca
Esquecer por momento a mágoa intensa
Arrancando um sorriso á flor da boca.
Mas volta logo um negro desconforto,
Bela na Dor, sublime na Descrença,
Como Jesus a soluçar no Horto.
ECOS D'ALMA
Oh! madrugada de ilusões, santíssima,
Sombra perdida lá do meu Passado,
Vinde entornar a clâmide puríssima
Da luz que fulge no ideal sagrado!
Longe das tristes noutes tumulares
Quem me dera viver entre quimeras,
Por entre o resplandor das Primaveras
Oh! madrugada azul dos meus sonhares.
Mas quando vibrar a última balada
Da tarde e se calar a passarada
Na bruma sepulcral que o céu embaça
Quem me dera morrer então risonho
Fitando a nebulosa do meu sonho
E a Via-Látea da Ilusão que passa!
AMOR E CRENÇA
Sabes que é Deus? Esse infinito e santo
Ser que preside e rege os outros seres,
Que os encantos e a força dos poderes
Reúne tudo em si, num só encanto?
Esse mistério eterno e sacrossanto,
Essa sublime adoração do crente,
Esse manto de amor doce e clemente
Que lava as dores e que enxuga o pranto?
Ah! Se queres saber a sua grandeza
Estende o teu olhar à Natureza,
Fita a cúp'la do Céu santa e infinita!
Deus é o Templo do Bem. Na altura imensa,
O amor é a hóstia que bendiz a crença,
Ama, pois, crê em Deus e... sê bendita!
ARIANA
Ela é o tipo perfeito da ariana.
Branca, nevada, púbere, mimosa,
A carne exuberante e capitosa
Trescala a essência que de si dimana.
As níveas pomas do candor da rosa,
Rendilhando-lhe o colo de sultana,
Emergem da camisa cetinosa
Entre as rendas sutis de filigrana.
Dorme talvez. Em flácido abandono
Lembra formosa no seu casto sono
A languidez dormente da indiana.
Enquanto o amante pálido, a seu lado,
Medita, a fronte triste, o olhar velado,
No Mistério da Carne Soberana.
TEMPOS IDOS
Não enterres, coveiro, o meu Passado,
Tem pena dessas cinzas que ficaram;
Eu vivo d'essas crenças que passaram,
E quero sempre tê-las ao meu lado!
Não, não quero o meu sonho sepultado
No cemitério da Desilusão,
Que não se enterra assim sem compaixão
Os escombros benditos do Passado!
Ai! não me arranques d'alma este conforto!
- Quero abraçar o meu Passado morto
- Dizer adeus aos sonhos meus perdidos!
Deixa ao menos que eu suba á Eternidade
Velado pelo círio da Saudade,
Ao dobre funeral dos tempos idos!
SONETO
Na rua em funeral ei-la que passa
A romaria eterna dos aflitos,
A procissão dos tristes, dos proscritos,
Dos romeiros saudosos da desgraça.
E na choça a lamúria que traspassa
O coração, além, ânsias e gritos
De mães que arquejam sobre os pobrezitos
Filhos que a fome derrubou na praça.
Entre todos, porém, lânguida e bela,
Da juventude a virginal capela
A lhe cingir de luz a fronte baça,
Vai Corina mendiga e esfarrapada,
A alma saudosa pelo amor vibrada
- A Stella Matutina da Desgraça!
SONETO
Adeus, adeus, adeus! E suspirando
Saí deixando morta a minha amada,
Vinha o luar iluminando a estrada
E eu vinha pela estrada soluçando.
Perto um ribeiro claro murmurando
Muito baixinho como quem chorava,
Parecia o ribeiro estar chorando
As lágrimas que eu triste gotejava.
Súbito ecoou o sino o som profundo!
Adeus! - eu disse. Para mim no mundo
Tudo acabou-se, apenas restam mágoas.
Mas no mistério astral da noite bela
Pareceu-me inda ouvir o nome dela
No marulhar monótono das águas!
A AERONAVE
Cindindo a vastidão do Azul profundo,
Sulcando o espaço, devassando a terra,
A Aeronave que um mistério encerra
Vai pelo espaço acompanhando o mundo.
E na esteira sem fim da azúlea esfera
Ei-la embalada n'amplidão dos ares,
Fitando o abismo sepulcral dos mares
Vencendo o azul que ante si s'erguera.
Voa, se eleva em busca do Infinito,
É como um despertar de estranho mito,
Auroreando a humana consciência.
Cheia da luz do cintilar de um astro,
Deixa ver na fulgência do seu rastro
A trajetória augusta da Ciência.
LIRIAL
Porque choras assim, tristonho lírio,
Se eu sou o orvalho eterno que te chora,
P'ra que pendes o cálice que enflora
Teu seio branco do palor do círio?!
Baixa a mim, irmã pálida da Aurora,
Estrela esmaecida do Martírio;
Envolto da tristeza no delírio,
Deixa beijar-te a face que descora!
Fosses antes a rosa purpurina
E eu beijaria a pétala divina
Da rosa onde não pousa a desventura.
Ai! que ao menos talvez na vida escassa
Não chorasses à sombra da desgraça,
Para eu sorrir à sombra da ventura!
A MINHA ESTRELA
Eu disse - Vai-te, estrela do Passado!
Esconde-te no Azul da Imensidade,
Lá onde nunca chegue esta saudade,
- A sombra deste afeto estiolado.
Disse, e a estrela foi p'ra o Céu subindo,
Minh'alma que de longe a acompanhava,
Viu o adeus que ela do Céu enviava,
E quando ela no Azul foi se sumindo
Surgia a Aurora - a mágica princesa!
E eu vi o Sol do Céu iluminando
A Catedral da Grande Natureza.
Mas a noute chegou, triste, com ela
Negras sombras também foram chegando,
E eu nunca mais vi a minha estrela!
SONETO
A praça estava cheia. O condenado
Transpunha nobremente o cadafalso,
Puro de crime, isento de pecado,
Vítima augusta de indelével falso.
E na atitude do Crucificado,
O olhar azul pregado n'amplidão,
Pude rever naquele desgraçado
O drama lutuoso da Paixão.
Quando do algoz cruento o braço alçado
Se dispunha a vibrar sem compaixão
O golpe na cabeça do culpado
Ele, o algoz - o criminoso - então,
Caiu na praça como fulminado
A soluçar: perdão, perdão, perdão!
VERSOS D'UM EXILADO
Eu vou partir. Na límpida corrente
Rasga o batei o leito d'água fina
- Albatroz deslizando mansamente
Corno se fosse vaporosa Ondina.
Exilado de ti, oh! Pátria! ausente
Irei cantar a mágoa peregrina
Como canta o pastor a matutina
Trova d'amor, à luz do sol nascente!
Não mais virei talvez e, lá sozinho,
Hei de lembrar-me do meu pátrio ninho
D'onde levo comigo a nostalgia
E esta lembrança que hoje me quebranta
E que eu levo hoje como a imagem santa
Dos sonhos todos que já tive um dia!
AVE DOLOROSA
Ave perdida para sempre - crença
Perdida - segue a trilha que te traça
O Destino, ave negra da Desgraça,
Gêmea da Mágoa e núncia da Descrença!
Dos sonhos meus na Catedral imensa
Que nunca pouses. Lá, na névoa baça,
Onde o teu vulto lúrido esvoaça,
Seja-te a vida uma agonia intensa!
Vives de crenças mortas e te n4tres,
Empenhada na sanha dos abutres,
Num desespero rábido, assassino...
E hás de tombar um dia em mágoas lentas,
Negrejada das asas lutulentas
Que te emprestar o corvo do Destino!
NIMBUS
Nimbos de bronze que empanais escuros
O santuário azul da Natureza,
Quando vos vejo negros palinuros
Da tempestade negra e da tristeza,
Abismados na bruma enegrecida,
Julgo ver nos reflexos da minh'alma
As mesmas nuvens deslizando em calma,
Os nimbos das procelas desta vida;
Mas quando céu é límpido, sem bruma
Que a transparência tolda, sem nenhuma
Nuvem sequer, então, num mar de esp'rança,
Que o céu reflete, a vida é qual risonho
Batel, e a alma é a flâmula do sonho,
Que o guia e leva ao porto da bonança.
NO CAMPO
Tarde. Um arroio canta pela umbrosa
Estrada; as águas límpidas alvejam
Como cristais. Aragem suspirosa
Agita os roseirais que ali vicejam.
No Alto, entretanto, os astros rumorejam
Um presságio de noute luminosa
E ei-la que assoma - a louca Tenebrosa,
Branca, emergindo às trevas que a negrejam.
Chora a corrente múrmura, e, à dolente
Unção da noute, as flores também choram
Num chuveiro de pétalas, nitente,
Pendem e caem - os roseirais descoram
E elas bóiam no pranto da corrente
Que as rosas, ao luar, chorando enfloram.
INSÂNIA
No mundo vago das idealidades
Afundei minha louca fantasia;
Cedo atraiu-me a auréola fulgidia
Da refulgência antiga das idades.
Mas ao esplendor das velhas majestades
Vacila a mente e o seu ardor esfria;
Busquei então na nebulosa fria
Das ilusões, sonhar novas idades.
Que desespero insano me apavora!
Aqui, chora um ocaso sepultado;
Ali, pompeia a luz da branca aurora
E eu tremo e hesito entre um mistério escuro
- Quero partir em busca do Passado
- Quero correr em busca do Futuro.
O BANDOLIM
Cantas, soluças, bandolim do Fado
E de Saudade o peito meu transbordas;
Choras, e eu julgo que nas tuas cordas
Choram todas as cordas do Passado!
Guardas a alma talvez d'um desgraçado,
Um dia morto da Ilusão às bordas,
Tanto que cantas, e ilusões acordas,
Tanto que gemes, bandolim do Fado.
Quando alta noute, a lua é triste e calma,
Teu canto, vindo de profundas fráguas,
É como as nênias do Coveiro d'alma!
Tudo eterizas num coral de endeixas...
E vais aos poucos soluçando mágoas,
E vais aos poucos soluçando queixas!
ARA MALDITA
Como um'ave, cindindo os céus risonhos,
Meiga, tu vinhas a cindir os ares,
E, qual hóstia, caindo dos altares,
Foste caindo n'ara dos meus sonhos.
E eu vi os seios teus virem inconhos
- Esses teus seios que os cerúleos lares
Branquejaram de eternos nenúfares,
Para nunca tocarem negros sonhos!
Caíste enfim no meu sacrário ardente,
Quiseste-me beijar a ara do peito,
E eu quis beijar-te o lábio redolente.
E beijei-te, mas eis que neste enleio,
Tocando n'ara negra o níveo seio,
Caíste morta ao celestial preceito.
SONETO
Na etérea limpidez de um sonho branco,
Lúcia sorriu-se à bruma nevoenta,
E a procela chorou n'um fundo arranco
De mágoa triste e de paixão violenta.
E Lúcia disse à bruma lutulenta:
- Foge, senão co'o o meu olhar te espanco!
E eu vi que, à voz de Lúcia, grave e lenta,
O céu tremia em seu trevoso flanco.
Fulgia a bruma para sempre. A vida
Despontava na aurora amortecida
 rutilância mágica do dia.
Aquele riso despertava a aurora!
E tudo riu-se, e como Lúcia, agora,
O sol, alegre e rubro, também ria!
TREVA E LUZ
Neste pélago escuro em que te afundas,
Longe das sombras aurorais e amadas,
Sentes o peito em ânsias revoltadas,
Diluis teu peito em sensações profundas.
Mas, eis que emerges, luminosa, às fundas
Águas do mar das glórias obumbradas,
E, ante o branco estendal das madrugadas,
Nua, em banho ideal de amor te inundas.
Agora, á luz das alvoradas santas
Ungem-te o corpo redolências tantas,
Que, ao ver-te nua, o Mundo se concentre,
E a lua, a Virgem Mãe dos céus escampos,
Que beija a terra e que abençoa os campos,
Beije-te o seio e te abençoe o ventre!
SONETO
O Templo da Descrença - ei-lo que avisto. A imensa
Cruz da Dor está serena como um lírio!
E vejo o pedestal que sustenta o Martírio;
E vejo o pedestal que sustenta a Descrença!
- A colunata êxul do Sonho Morto - o círio
Da Quimera Falaz, o túmulo da Crença,
Tudo! até o altar onde a Angústia vibra intensa
N'uma fúria assombrai de feras em delírio!
Penetro louco enfim o abismo funerário,
E a rasgar, a rasgar o lúrido sacrário,
Em mim como no Templo a Angústia se condensa,
E em mim como no Templo, urnas de Sonho; e, em bando,
Flores mortas da Aurora, e, eu sombrio chorando
Ante a imagem fatal do Sepulcro da Crença!
A PESTE
Filha da raiva de Jeová - a Peste
N'um insano ceifar que aterra e espanta,
De espaço a espaço sepulturas planta
E em cada coração planta um cipreste!
Exulta o Eterno e... tudo chora, tudo!
Quando Ela passa, semeando a Morte,
Todos dizem co'os olhos para a Sorte
- É o castigo de Deus que passa mudo!
- Fúlgido foco de escaldantes brasas
- O sol a segue, e a Peste ri-se, enquanto
Vai devastando o coração das casas...
E como o sol que a segue e deixa um rastro
De luz em tudo, ela, como o sol - o astro -
Deixa um rastro de luto em cada canto!
IDEAL
Quero-te assim, formosa entre as formosas,
No olhar d'amor a mística fulgência
E o misticismo cândido das rosas,
Plena de graça, santa de inocência!
Anjo de luz de astral aurifulgência,
Etéreo como as Wilis vaporosas,
Embaladas no albor da adolescência,
- Virgens filhas das virgens nebulosas!
Quero4e assim, formosa, entre esplendores,
Colmado o seio de virentes flores,
A alma diluída em eterais cismares...
Quero-te assim - e que bendita sejas
Como as aras sagradas das igrejas,
Como o Cristo sagrado dos altares.
SOMBRA IMORTAL
- E tu velas, a sós, no pó da fulgurância
Como uma velha cruz vela na sombra morta!
Fora, a noute é tumbal... e a saudade da infância,
Como um'alma de mãe, me acalenta e conforta!
Noute! E somente tu velas a rutilância...
Lua que já passou e que hoje ainda corta
O penetral que guia à derradeira estância,
O penetral que leva à derradeira porta!
Revejo em ti, mulher, num lânguido smorzando
A sombra virginal qu'eu adoro chorando
E há de um dia amparar-me na luta correndo...
Ah! que um dia da Vida, estes dardos acúleos
Caíam, também da Dor, lá dos braços hercúleos,
Domados pela meiga Ónfale a que me rendo!
CORAÇÃO FRIO
Frio o sagrado coração da lua,
Teu coração rolou da luz serena!
E eu tinha ido ver a aurora tua
Nos raios d'ouro da celeste arena...
E vi-te triste, desvalida e nua!
E o olhar perdi, ansiando a luz amena
No silêncio notívago da rua...
- Sonâmbulo glacial da estranha pena!
Estavas fria! A neve que a alma corta
Não gele talvez mais, nem mais alquebre
Um coração como a alma que está morta...
E estavas morta, eu vi, eu que te almejo,
Sombra de gelo que me apaga a febre,
- Lua que esfria o sol do meu desejo!
NOTURNO
Chove. Lá fora os lampiões escuros
Semelham monjas a morrer... Os ventos,
Desencadeados, vão bater, violentos,
De encontro ás torres e de encontro aos muros.
Saio de casa. Os passos mal seguros
Trêmulo movo, mas meus movimentos
Susto, diante do vulto dos conventos,
Negro, ameaçando os séculos futuros!
De São Francisco no plangente bronze
Em badaladas compassadas onze
Horas soaram... Surge agora a Lua.
E eu sonho erguer-me aos páramos etéreos
Enquanto a chuva cai nos cemitérios
E o vento apaga os lampiões da rua!
SEDUTORA
Alva d'aurora, e em lânguida sonata
Vinhas transpondo a margem do caminho,
Branca bem como empalecido arminho,
Alvorejando em arrebol de prata.
Bendita a Santa do Carinho, inata!
E, ajoelhando à imagem do Carinho,
O roble altivo entreteceu e um ninho,
Alva d'aurora, te acolheu a mata.
Pérolas e ouro pela serrania...
No lago branco e rútilo do dia
O azul pompeava para sempre vasto.
Chegaste, o seio branco, e, tu, chegando,
Uma pantera foi se ajoelhando,
Rendida ao eflúvio do teu seio casto!
PELO MUNDO
Ânsias que pungem, mórbidos encantos,
Crepitaç5es de flamas incendidas
Nalma explodindo como fogos santos,
Vão pelo mundo ensangüentando as Vidas.
Eflúvios quentes e fatais quebrantos
Crestam a alma das virgens adormidas...
E as brumas velam nos sinistros mantos
E as virgens dormem nas tumbais jazidas!
Súbitos fremem 'spasmos derradeiros...
E a paixão morre e os corações coveiros
Vão como duendes pelos céus risonhos,
Chorando auroras músicas perdidas
Na estrada santa ensangüentando as Vidas,
Nos campos-santos enterrando os Sonhos!
SONETO
E o mar gemeu a funda melopéia
À luz feral que a tarde morta instila,
Triste como um soluço de Dalila,
Fria como um crepúsculo da Judéia.
Já Vésper, no Alto, e lânguida, cintila!
Naquela hora morria para a Idéia
A minha branca e desgraçada Déa,
Qual rosa branca que ao tufão vacila.
E o mar chamou-a para o funda abismo!
E o céu chamou-a para o Misticismo.
Nesse momento a Lua vinha calma
E céu e mar num desespero mudo
Não viram que num halo de veludo
À alma de Déa se evolava est'alma.
O RISO
"Ri, coração, tristíssimo palhaço"
Cruz e Souza
O Riso - o voltairesco clown - quem mede-o?!
- Ele, que ao frio alvor da Mágoa Humana,
Na Via-Látea fria do Nirvana,
Alenta a Vida que tombou no Tédio!
Que à Dor se prende, e a todo o seu assédio,
E ergue à sombra da dor a que se irmana
Lauréis de sangue de volúpia insana,
Clarões de sonho em nimbos de epicédio!
Bendito sejas, Riso, clown da Sorte
- Fogo sagrado nos festins da Morte
- Eterno fogo, saturnal do Inferno!
Eu te bendigo! No mundano cúmulo
És a Ironia que tombou no túmulo
Nas sombras mortas de um desgosto eterno!
SONETO
Vamos, querida! Já é Ave-Maria
- A hora dos tristes e dos descontentes.
Desfaz-se o peito em vibrações dormentes
E o Fado geme sob a névoa fria!
Que eu sinta n'alma o que tu n'alma sentes!
Nesta Missa de Atroz Melancolia
Bebes chorando o Vinho da Agonia
- Consagração das almas padecentes!
Foi numa tarde assim que nos amamos.
Silfos morriam... No ar, os gaturamos
Num recesso de névoa, adormecida...
Punge-me o peito da Saudade o cardo
Enquanto um mocho, sonolento e tardo,
Canta no espaço a maldição da Vida!
A UMA MÁRTIR
Alma em cilício, vem, enrista a dava,
Brande no seio o espículo e o acinace
E unjam-te o seio que d'auroras nasce
Sangrentas bênçãos eclodindo em lava!
Nossa Senhora te unge a face escrava,
Cristo saudoso te abençoa a face
De monja - violeta que do Céu baixasse
À Virgem Santa Natureza brava!
Vais caminhando para a terra extrema,
Rosa dos Sonhos! e o teu galho trema
E a tua crença, o desespero mate-a...
E em nuvens d'ouro ascende enfim ao plaustro
Da Neve Eterna, estrela azul do claustro,
Levada para o Azul da Via-Látea!
PELO MAR
Manhã em flor. O mar é um policromo
E imenso lago d'íris e alabastros...
À aurora é branco e ao sol, o mar é como
Um pálio imenso que caiu dos astros.
Longe, bem longe, no alvoral assomo
Ergue um navio os altanados mastros
E o Oceano dorme - alourecido pomo
Num leito irial de pérolas e nastros.
A alma da Mágoa vai pelo seu dorso,
Em sonhos geme... Um coração de corso
Geme no mar, vibra no mar, entanto,
Colma-lhe o seio a opala das esponjas...
E à noute morta choram vagas - monjas
Purificadas no cristal do pranto!
PALLIDA LUNA
És do Passado! Vieste d'alvorada
N'asa dos elfos pela Morte espalma...
Cantas... e eu ouço esta berceuse calma
Da harpa dos mundos ideais do Nada!
Ergue o Missal brilhante de tu'alma,
Mas nessa elevação mistificada,
Vem, que eu te espero, Deusa constelada
Desce, anêmona êxul que o Céu ensalma!
Venhas e desças, Lua dos Martírios,
Desças, mas venhas pela unção dos lírios.
Visão de Ocaso de enluaradas comas,
Vaso de Unção descido dos espaços,
Para ungirmos nós dois, os nossos paços,
Na tule idealizada dos aromas.
A MORTE DE VÉNUS
Velhos berilos, pálidas cortinas,
Morno frouxel de nardos recendendo
Velam-lhe o sono... e Vênus vai morrendo
No berço azul das névoas matutinas!
Halos de luz de brancas musselinas
Vão-lhe do corpo virginal descendo
- Abelha irial que foi adormecendo
Sobre um coxim de pérolas divinas.
E quando o Sol lhe beija a espádua nua,
Cai-lhe da carne o resplendor da Lua
No reverbero dos deslumbramentos...
Enquanto no ar há sândalos, há flores
E haustos de morte - os últimos clangores
Da música chorosa dos mementos!
SONHO DE AMOR
Sobre o aromal e amplo coxim de Flora,
Que os vapores da tarde inda incensavam
E que um incenso tênue e bom vapora,
Os namorados lânguidos sonhavam.
A alma do Ocaso entrava o céu agora
E havia pelas tênebras que entravam
Ora estrangulamentos surdos, ora
Ruídos de carnes que se estrangulavam.
E sonharam assim durante toda
A noute, e toda a alva manhã durante!
- O Sol jorrava largos raios longos
E em roda víride e nevado, em roda,
Lembrava o campo um colorido ondeante
De vidros verdes e cristais oblongos!
SONETO
A orgia mata a mocidade, quando
Rugem na carne do delírio as feras,
E o moço morre como está sonhando
Nas suas vinte e cinco primaveras.
Em cima - o oiro sem mancha das esferas,
Em baixo oiro manchado de execrando
Festim de sibarita:, das heteras
Lubricamente se despedaçando!
Em cima, a rede do estelário imáculo
Suspensa no alto como um tabernáculo
- A orgia, em baixo, e no delírio doudo
Corno arvoredos juvenis tombados
Os moços mortos, os brasões manchados,
E um turbilhão de púrpuras no lodo!
SONETO
E ele morreu. Ele que foi um forte
Que nunca se quebrou pelo Desgosto
Morreu... mas não deixou na ara do rosto
Um só vestígio que acusasse a Morte!
O anatomista que investiga a sorte
Das vidas que se abismam no Sol-posto
Ficaria admirado do seu rosto
Vendo-o tão belo, tão sereno e forte!
Quando meu Pai deixou o lar amigo
Um sabiá da casa muito antigo,
Que há muito tempo não cantava lá,
Diluiu o silêncio em litanias...
E hoje, poetas, já faz sete dias
Que eu ouço o canto desse sabiá!
VAE VICTIS
A Dor meu coração torça e retorça
E me retalhe como se retalhe
Para escárnio e alegria da canalha
Um leão vencido que perdeu a força!
Sobre mim caia essa vingança corsa,
Já que perdi a última batalha!
E, enquanto o Tédio a carne me trabalha,
A Dor meu coração torça e retorça!
Cubra-me o corpo a podridão dos trapos!
Os vibriões, os vermes vis, os sapos
Encontrem nele pábulo eviterno...
- Repositório de milhões de miasmas
Onde se fartem todos os fantasmas,
Primavera, verão, outono, inverno!
A DOR
Chama-se a Dor, e quando passa, enluta
E todo mundo que por ela passa
Há de beber a taça da cicuta
E há de beber até o fim da taça!
Há de beber, enxuto o olhar, enxuta
A face, e o travo há de sentir, e a ameaça
Amarga dessa desgraçada fruta
Que é a fruta amargosa da Desgraça!
E quando o mundo todo paralisa
E quando a multidão toda agoniza,
Ela, inda altiva, ela, inda o olhar sereno
De agonizante multidão rodeada,
Derrama em cada boca envenenada
Mais uma gota do fatal veneno!
TERRA FÚNEBRE
Aqui morreram tantos poetas! Tanta
Guitarra morta este lugar encerra!...
Aqui é o Campo-Santo, aqui é a Terra!
Em que a alma chora e em que a Saudade canta!
O caminheiro que o Pesar desterra,
Pare chorando nesta Terra Santa,
E se cantar como a Saudade canta,
O caminheiro fique nesta Terra!
À noute aqui um trovador eterno
Chora, abraçado às campas dos poetas,
- Esse sombrio trovador é o Inverno!
Aqui é a Terra, onde, ao noturno açoute,
Carpem na sombra pássaros ascetas,
Gemem poetas - pássaros da Noute!
SONETO
O sonho, a crença e o amor, sendo a risonha
Santíssima Trindade da Ventura
Pode ser venturosa a criatura
Que não crê, que não ama e que não sonha?!
Pois a alma acostumada a ser tristonha
Pode achar por acaso ou porventura
Felicidade numa sepultura,
Contentamento numa dor medonha?!
Há muito tempo, o sonho, do meu seio
Partiu num célere arrebatamento
De minha crença arrebentando a grade
Pois se eu não amo e se também não creio
De onde me vem este contentamento,
De onde me vem esta felicidade?!
MEDITANDO
Penso em venturas! A alma do homem pensa
Sempre em venturas! Sorte do homem! O homem
Há de embalar eternamente a crença
Sem ter grilhões e sem ter leis que o domem!
Punjam-no os vermes da Desgraça, assomem
Descrenças, surjam tédios na Descrença,
Luta, e morrem os vermes que o consomem,
Vence, e por fim, nada há que o abata e o vença!
Por isso, poeta, eu penso na Ventura!
E o pensamento, na Suprema Altura
Sinto, no imenso Azul do Firmamento
Ir rolando pelo ouro das estrelas,
E esse ouro santo vir rolando pelas
Trevas profundas do meu pensamento!
SONETO
Para que nesta vida o espírito esfalfaste
Em vás meditações, homem meditabundo?!
Escalpelaste todo o cadáver do mundo
E, por fim, nada achaste... e, por fim, nada achaste!
A loucura destruiu tudo que arquitetaste
E a Alemanha tremeu ao teu gemido fundo... -
De que te serviu, pois, estudares, profundo,
O homem e a lesma e a rocha e a pedra e o carvalho
[e a haste?!
Pois, para penetrar o mistério das lousas,
Foi-te mister sondar a substância das cousas
Construíste de ilusões um mundo diferente,
Desconheceste Deus no vidro do astrolábio
E quando a ciência vã te proclamava sábio
A tua construção quebrou-se de repente!
O ÉBRIO
Bebi! Mas sei porque bebi!... Buscava
Em verdes nuanças de miragens, ver
Se nesta ânsia suprema de beber,
Achava a Glória que ninguém achava!
E todo o dia então eu me embriagava
- Novo Sileno, - em busca de ascender
A essa Babel fictícia do Prazer
Que procuravam e que eu procurava.
Trás de mim, na atra estrada que trilhei,
Quantos também, quantos também deixei,
Mas eu não contarei nunca a ninguém.
A ninguém nunca eu contarei a história
Dos que, como eu, foram buscar a Glória
E que, como eu, ira-o morrer também.
O CANTO DA CORUJA
A coruja cantara-lhe na porta
Sinistramente a noite inteira! Indício
Mais certo não havia! - Era o suplício!...
Daí a pouco, ela seria morta.
Saiu. O Sol ardia. A estrada torta
Lembrava a antiga ponte de Sublício...
Havia pelo chão um desperdício
De folhas que a áurea xantofila corta.
Nisto, ouve o canto aziago da coruja!
- Quer fugir, e não vê por onde fuja.
Implora a Deus como a um fetiche vago...
- Se ao menos voasse! - E o horror começa! Rasga
As vestes; uma convulsão a engasga
E morre ouvindo o mesmo canto aziago!
NOME MALDITO
Das trombetas proféticas o alarde
Falou-lhe, por seus onze augúrios certos:
"E maldito o teu nome! E aos céus abertos,
Não há divina proteção que o guarde!"
Dúvidas cruéis! Momentos cruéis! Incertos
E cruéis momentos! Ânsias cruéis! E, à tarde,
Saiu aos tombos, como um cão covarde,
A percorrer desertos e desertos...
E, assombrado, com medo do Infinito,
Por toda a parte, onde, aos tropeços, ia,
Por toda a parte viu seu nome escrito!
Vieram-lhe as ânsias. Teve sede e fome...
E foi assim que ele morreu um dia
Amaldiçoado pelo próprio nome!
DOLÊNCIAS
Eu fui cadáver, antes de viver!
Meu corpo, assim como o de Jesus Cristo,
Sofreu o que olhos de homem não têm visto
E olhos de fera não puderam ver!
Acostumei-me, assim, pois, a sofrer
E acostumado a assim sofrer existo...
Existo! - E apesar disto, apesar disto
Inda cadáver hei também de ser!
Quando eu morrer de novo, amigos, quando
Eu, de saudades me despedaçando
De novo, triste e sem cantar, morrer,
Nada se altere em sua marcha infinda
- O tamarindo reverdeça ainda,
A lua continue sempre a nascer!
A LÁGRIMA
- Faça-me o obséquio de trazer reunidos
Clorureto de sódio, água e albumina...
Ah! Basta isto, porque isto é que origina
A lágrima de todos os vencidos!
- A farmacologia e a medicina
Com a relatividade dos sentidos
Desconhecem os mil desconhecidos
Segredos dessa secreção divina.
- O farmacêutico me obtemperou. -
Vem-me então à lembrança o pai Ioiô
Na ânsia psíquica da última eficácia!
E logo a lágrima em meus olhos cai.
Ah! Vale mais lembrar-me eu de meu Pai
Do que todas as drogas da farmácia!
AVE LIBERTAS
Ao clarão irial da madrugada,
Da liberdade ao toque alvissareiro,
Banhou-se o coração do Brasileiro
Num eflúvio de luz auroreada.
É que baqueia a vida escravizada!
Já se ouvem os clangores do pregoeiro,
Como um Tritão, levando ao mundo inteiro,
Da República a nova sublimada.
E ali do despotismo entre os escombros,
Rola um drama que a Pátria exalça e doura
Numa auréola de paz imorredoura,
A República rola-lhe nos ombros;
Enquanto fora na trevosa agrura
Sucumbe o servilismo, e, esplendorosa,
A Liberdade assoma majestosa,
- Estrela d'Alva imaculada e pura!
É livre a Pátria outrora opressa e exangue!
Esse labéu que mancha a glória pública,
Que apouca o triunfo e que se chama sangue,
Manchar não pode as aras da República.
Não! que esse ideal puro, risonho,
Há de transpor sereno os penetrais
Da Pátria, e há de elevar-se neste sonho
Ao topo azul das Glórias Imortais!
Esplende, pois, oh! Redentora d'alma,
Oh! Liberdade, essa bendita e branca
Luz que os negrores da opressão espanca,
Essa luz etereal bendita e calma.
Vós, oh Pátria, fazei que destes brilhos,
Caia do santuário lá da História,
Fulgente do valor da vossa glória,
A bênção do valor dos vossos filhos!
QUADRAS
Embala-me em teus braços,
De amores bons à sombra -
Quero em cheirosa alfombra
Pousar os sonhos lassos!
Teus seios, oh! morena
- Relíquias de Carrara -
Têm a ambrosia rara
Da mais rara verbena.
Aperta-me em teu peito,
E dá-me assim, divina,
De lírios e boninas
Um veludíneo leito.
Assim como Jesus,
Eu quero o meu Calvário
- Anelo morrer vário
Dos braços teus na Cruz!
Porque não me confortas?!
Bem sei, perdeste a ciência,
Morreu-te a redolência,
Alma das virgens mortas -
Mas não! Apaga os traços
De tão funesto aspeito...
Aperta-me em teu peito,
Embala-me em teus braços!
VENUS MORTA
A Via-Sacra Azul do amor primeiro
Veste hoje o luto que a desgraça veste
No miserere do meu desespero...
- Lotus diluído n'alma dum cipreste!
Como um lilás eternizando abrolhos
Tinge de roxo o arminho da grinalda,
Rola a violeta santa dos teus olhos
- Tufos de goivo em conchas de esmeralda.
No vácuo imenso das desesperanças
E dos passados viços,
Recordo o beijo que te dei nas tranças
Emolduradas num florão de riços.
E como um nume de pesar, plangente,
Guarda a saudade que levou do Mame,
Eu guardo o travo deste beijo ardente
E a Nostalgia desta Pátria - a Carne.
Sonho abraçar-te, pálida camélia,
Mas neste sonho, langue e seminua,
Pareces reviver a antiga Ofélia,
Opalescência trágica da lua!
Tu, oh Quimera, de reverberantes
E rubras asas de beliantos pulcros,
Crava-lhe n'alma o tirso das bacantes,
Brande-lhe n'alma o frio dos sepulcros.
Reza-lhe todo o cantochão memento
Dessa Missa de amor da Extrema Agrura,
Abençoada pelo meu tormento
E consagrada pela sepultura.
E que ela suba na serena gaza
Dos mistérios dourados e serenos
À terra Ideal das púrpuras em brasa
E ao Céu doirado e auroreal de Vênus!
ODE AO AMOR
Enches o peito de cada homem, medras
Nalma de cada virgem, e toda a alma
Enches de beijos de infinita calma...
E o aroma dos teus beijos infinitos
Entra na terra, bate nos granitos
E quebra as rochas e arrebenta as pedras!
És soberano! Sangras e torturas!
Ora, tangendo tiorbas em volatas,
Cantas a Vida que sangrando matas,
Ora, davas brandindo em seva e insana
Fúria, lembras, Amor, a soberana
Imagem pétrea das montanhas duras.
Beijam-te o passo multidões escravas
Dos Desgraçados! - Estas multidões
Sonham pátrias doiradas de ilusões
Entre os tórculos negros da Desgraça
- Flores que tombam quando a neve passa
No turbilhão das avalanches bravas!
Tudo dominas! Dos vergéis tranqüilos
Aos Capitólios, e dos Capitólios
Aos claros pulcros e brilhantes sólios
De esplendor pulcro e de fulgências claras,
Rendilhados de fulvas gemas raras
E pontilhados de crisoberilos.
Sobes ao monte onde o edelweiss pompeia
Nalma do que subiu àquele monte!
Mas, vezes, desces ao segredo insonte
Do mar profundo onde a sereia canta
E onde a Alcíone trêmula se espanta
Ouvindo a gusla crebra da sereia!
Rompe a manha. Sinos além bimbalham.
Troa o conúbio dos amores velhos
- As borboletas e os escaravelhos
Beijam-se no ar. . . Retroa o sino. E, quietos
Beijam-se além os silfos e os insetos
Sob a esteira dos campos que se orvalham.
E em tudo estruge a tua dúlia - dúlia
Que na fibra mais forte e até na fibra
Mais tênue, chora e se lamenta e vibra...
E em cada peito onde um Ocaso chora
Levanta a cruz da redenção da Aurora
Como a Judite a redimir Betúlia!
Bem haja, pois, esse poder terrível,
- Essa dominação aterradora
- Enorme força regeneradora
Que faz dos homens um leão que dorme
E do Amor faz uma potência enorme
Que vela sobre os homens, impassível!
Esta de amor ode queixosa, Irene,
Quedo, sonhei-a, aos astros, ontem, quando
Entre estrias de estrelas, fosforeando,
Egrégia estavas no teu plaustro egrégio
Mais bela do que a Virgem de Corrégio
E os quadros divinais de Guido Reni!
Qual um crente em asiático pagode,
Entre timbales e anafis estrídulos,
Cativo, beija os áureos pés dos ídolos,
Assim, Irene, eis-me de ti cativo!
Cativaste-me, Irene, e eis o motivo,
Eis o motivo porque fiz esta ode.
CANTO DE AGONIA
Agonia de amor, agonia bendita!
- Misto de infinita mágoa e de crença infinita.
Nos desertos da Vida uma estrela fulgura
E o Viajeiro do Amor, vendo-a, triste, murmura:
- Que eu nunca chore assim! Que eu nunca chore como
Chorei, ontem, a sós, num volutuoso assomo,
Numa prece de amor, numa delícia infinda,
Delícia que ainda gozo, oração, prece que ainda
Entre saudades rezo, e entre sorrisos e entre
Mágoas soluço, até que esta dor se concentre
No âmago de meu peito e de minha saudade.
Amor, escuridão e eterna claridade...
- Calor que hoje me alenta e há de matar-me em breve,
Frio que me assassina, amor e frio, neve,
Neve que me embala como um berço divino,
Neve da minha dor, neve do meu destino!
E eu aqui a chorar nesta noite tão fria!
Agonia, agonia, agonia, agonia!
- Diz e morre-lhe a voz, e cansado e morrendo
O Viajeiro vai, e vê a luz e vendo
Uma sombra que passa, uma nuvem que corre,
Caminha e vai, o louco, abraça a sombra e... morre!
E a alma se lhe dilui na amplidão infinita...
Agonia de amar, agonia bendita!
HISTÓRIA DE UM VENCIDO
Sol alto. A terra escalda: é um forno. A flama oriunda
Da solar refração bate no mundo, acende
O pó, aclara o mar e por tudo se estende
E arde em tudo, mordendo a atra terra infecunda.
E o Velho veio para o labor cotidiano,
Triste, do alegre Sol ao grande globo quente
E pôs-se para aí, desoladoramente
A revolver da terra o atro e infecundo arcano.
Por seis horas seu braço empenhado na luta,
Fez reboar pelo solo, alta e descompassada
A dura vibração incômoda da enxada,
Rasgando, do agro solo, a superfície bruta.
Mas o braço cansou! Trabalhou... e o trabalho
- Do Eterno Bem motor principal e alavanca -
Arrancara-lhe a Crença assim como se arranca
De um ninho a seda branca e de uma árvore o galho!
Sangrou-lhe o coração a saudade da Aurora!
- O Hércules que ele fora! O fraco que ele hoje era!
E surpreendido viu que um abismo se erguera
Entre o fraco que era hoje, e entre o Hércules de outrora!
Pois havia de assim, nesta maldita senda
De sofrimento ignaro em sofrimento ignaro
Ir caminhando até tombar sem um amparo
No tremendo marneI da Desgraça tremenda?!
II
Noute! O silêncio vinha entrando pelo mundo
E ele, lúgubre e só, trôpego e cambaleando
Foi-se arrastando, foi aos poucos se arrastando,
Para as bordas fatais dum precipício fundo!
Quis um momento ainda olhar para o Passado...
E em tudo que o rodeava, oito vezes, funéreo
Horrorizado viu como num cemitério
Cadáveres de um lado e cinzas de outro lado!
De súbito, avistando uma frondosa tília
Julgou, louco, avistar a Árvore da Esperança...
E bateram-lhe então de chofre na lembrança
A casa que deixara, os filhos, a família!
Não morreria, pois! Somente morreria
Se da Vida, sozinho, ele pisasse os trilhos...
Que mal lhe haviam feito a esposa e a irmã e os filhos?!
Preciso era viver! Portanto, viveria!
Viveria! E a fecunda e deleitosa seara
Verde dos campos, onde arde e floresce a Crença,
Compensaria toda a sua dor imensa
Tal qual o Céu a dor de Cristo compensara!
E aos tropeços, tombando, o Velho caminhava...
Caminhava, e a sonhar, bêbado de miragem,
Nem viu que era chegado o termo da viagem,
E amplo, a rugir-lhe aos pés, o precipício estava.
Num instante viu tudo, e compreendendo tudo,
Quis fazer um esforço - o último esforço, e o braço
Pendeu exangue, o peito arqueou-se, o cansaço
Empolgara-o, e ele quis falar e estava mudo!
Mudo! E a quem contaria agora as suas mágoas?!
E trágico, no horror bruto da despedida
Abraçou-se com a Dor, abraçou-se com a Vida
E sepultou-se ali no coração das águas!
Cantavam muito ao longe uns carmes doloridos!
Eram tropeiros, era a turba trovadora
Que assim cantava, enquanto a Terra Vencedora
Celebrava ao luar a Missa dos Vencidos!
E o cadáver, a toa, a flux d'água, flutua!
Ninguém o vê, ninguém o acalenta, o acalenta...
Somente entre a negrura atra da terra poenta
Alguém beija, alguém vela o cadáver: a Lua!
ESTROFES SENTIDAS
Eu sei que o Amor enche o Universo todo
E se prende dos poetas à guitarra
Como o Pólipo que se agarra ao lodo
E a ostra que às rochas eternais se agarra.
O amor reduz-nos a uniformes placas,
Uniformiza todos os anelos
E une organizações fortes e fracas
Nos mesmos laços e nos mesmos elos.
Por muito tempo eu lhe sorvi o aroma,
E, desvairado, sem prever o abismo
Fiz desse amor um ídolo de Roma,
Eleito Deus no altar do fetichismo!
Tudo sacrifiquei para adorá-lo
- Mas hoje, vendo o horror dos meus destroços,
Tenho vontade de estrangulá-lo
E reduzi-lo muitas vezes a ossos!
Todo o ser que no mundo turbilhona
Veja do Amor, à luz das minhas frases,
Uma montanha que se desmorona,
Estremecendo em suas próprias bases.
E em qualquer parte do Universo veja -
Sombrias ruínas de um solar egrégio
E o desmoronamento duma Igreja
Despedaçada pelo sacrilégio.
A Natureza veste extraordinárias
Roupagens de ouro. Além, nas oliveiras,
Aves de várias cores e de várias
Espécies, cantam óperas inteiras.
A compreensão da minha niilidade
Aumenta à proporção que aumenta o dia
E pouco a pouco o encéfalo me invade
Numa clareza de fotografia.
Na área em que estou, ao matinal assomo,
Passa um rebanho de carneiros dóceis...
E o Sol arranca as minhas crenças como
Boucher de Perthes arrancava fósseis.
Observo então a condição tristonha
Da Humanidade, ébria de fumo e de ópio,
Tal qual ela é, e não tal qual a sonha
E a vê o Sábio pelo telescópio.
O Sábio vê em proporções enormes
Aquilo que é composto de pequenas
Partes, construindo corpos quase informes
E aquilo que é uma parcela apenas.
Da observação nos elevados montes
Prefiro, à nitidez real dos aspectos,
Ver mastodontes onde há mastodontes
E insetos ver onde há somente insetos.
A inanidade da Ilusão demonstro
Mas, demonstrando-a, sinto um violento
Rancor da Vida - este maldito monstro
Que no meu próprio estômago alimento!
Nisto a alma o oficio da Paixão entoa
E vai cair, heroicamente, na água
Da misteriosíssima lagoa
Que a língua humana denomina Mágoa!
Dos meus sonhos o exército desfila
E, à frente dele, eu vou cantando a nênia
Do Amor que eu tive e que se fez argila,
Como Tirteu na guerra de Messênia!
Transponho assim toda a sombria escarpa
Sinistro como quem medita um crime...
E quando a Dor me dói, tanjo minha harpa
E a harpa saudosa a minha Dor exprime!
Estes versos de amor que agora findo
Foram sentidos na solidão de uma horta,
À sombra dum verdoengo tamarindo
Que representa a minha infância morta!
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