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Recordações do Escrivão Isaías Caminha VIII Era uma sala pequena, mais comprida que larga, com duas filas paralelas de minúsculas mesas, em que se sentavam os redatores e repórteres, escrevendo em mangas de camisa. Pairava no ar um forte cheiro de tabaco; os bicos de gás queimavam baixo e eram muitos. O espaço era diminuto, acanhado, e bastava que um redator arrastasse um pouco a cadeira para esbarrar na mesa de trás, do vizinho. Um tabique separava o gabinete do diretor, onde trabalhavam o secretário e o redator-chefe; era também de superfície diminuta, mas duas janelas para a rua davam-lhe ar, desafogavam-no muito. Estava na redação do O Globo, jornal de grande circulação, diário e matutino, recentemente fundado e já dispondo de grande prestigio sobre a opinião. Falei ao Oliveira, perguntando-lhe pelo doutor Gregoróvitch. O eminente repórter levantou um pouco o olhar de cima do importante escrito (relação dos decretos assinados no último despacho) e, ao dar com a minha fisionomia conhecida e humilde, abaixou-o logo e, entre dentes, transcendentalmente superior, respondeu: "Ainda não veio". Eu não tinha mais onde dormir, havia dois dias que não comia, tinha a máxima necessidade de falar ao russo. Intimidado com a secura do Oliveira, fiquei de pé hesitando fazer-lhe uma segunda pergunta. Medroso e esfomeado, deixei-me assim permanecer alguns minutos debaixo daquele teto que abrigava a falange sagrada que vinha combatendo pelos fracos e oprimidos. Felizmente, houve alguém que me fez sentar e me convidou a esperar. Debaixo das penas, algumas nervosas e rápidas, outras, calmas e vigorosas, o papel rinchava sob o maior silêncio. Eram sete horas e pouco; as pessoas importantes do jornal ainda não tinham chegado. Laje da Silva, sempre com aquelas suas maneiras atenciosas, com aquele seu ar indecifrável, entrou na redação, não me olhou sequer e foi direto ao Oliveira. Estiveram alguns momentos falando em voz baixa, depois saiu cumprimentando aqui, ali, deixando no ambiente um grande desprendimento de simpatia e sedução. Houve quem dissesse quando saiu: - Que queria esta "águia" Oliveira? - Nada... Procurava o Rabelo... E depois ajuntou: Vocês são injustos, não é uma "águia"... "Águia" é um cavador de negociatas, de arranjos desonestos; ele não. Não há uma bandalheira em que se diga que ele se meteu... - E as notas falsas? - Ora! Ninguém está livre de que um tratante pague uma dívida em notas falsas e, na boa fé, vir fazer pagamentos com ela... - Coitado! fez o outro com um arzinho canalha. - Afinal, objetou o Oliveira indignado, quem é honesto para você, Meneses? Todos são ladrões, prevaricadores... Livra! Que língua! A conversa tinha cessado quando o diretor penetrou na sala. Era o doutor Ricardo Loberant, um homem muito alto e muito magro, anguloso, com um grande bigode de grandes guias, louro, de um louro sujo, tirando para o castanho, e um olhar erradio, cheio de desconfiança. Era um homem temido, temido pelos fortes, pela gente mais poderosa do Brasil, ministros, senadores, capitalistas; mas em quem, com espanto, notei uma falta de firmeza, de certa segurança de gestos e olhar, própria dos vencedores. Fora uma irrupção. Ninguém o sabia jornalista, mesmo durante o seu curso mal-amanhado não sacrificara às letras: fora sempre tido como viveur, gostando de gastar e freqüentar a sociedade das grandes cocottes. Um belo dia, o público da cidade ouviu os italianos gritarem: O Globo! O Globo! Os curiosos compraram-no e com indiferença leram ao alto o nome do diretor: Ricardo Loberant. Quem é? Ninguém sabia. Mas o jornal atraia, tinha um desempenho de linguagem, um grande atrevimento, uma critica corajosa às coisas governamentais, que, não se sabendo justa, era acerba e parecia severa. Este gostou, aquele apreciou, e dentro de oito dias ele tinha criado na multidão focos de contágio para o prestigio de sua folha. Vieram as informações a seu respeito. Algumas pessoas do foro informaram que o doutor Ricardo Loberant era um advogado violento, atrevido, que tinha por hábito discutir pelos "apedidos" do Jornal do Comércio, com mais azedume que lógica, as causas intrincadas que lhe eram confiadas. E o jornal pegou. Trazia novidade: além de desabrimento de linguagem e um franco ataque aos dominantes, uma afetação de absoluta austeridade e independência, uma colaboração dos nomes amados do público, lembrando por este aspecto os jornais antigos que a nossa geração não conhecera. O Rio de Janeiro tinha então poucos jornais, quatro ou cinco, de modo que era fácil ao Governo e aos poderosos comprar-lhes a opinião favorável. Subvencionados, a critica em suas mãos ficava insuficiente e cobarde. Limitavam-se aos atos dos pequenos e fracos subalternos da administração; o aparecimento d'O Globo levantou a critica, ergueu-a aos graúdos, ao presidente, aos ministros, aos capitalistas, aos juizes, e nunca os houve tão cínicos e tão ladrões. Foi um sucesso; os amigos do Governo ficaram em começo estuporados, tontos, sem saber como agir. Respondiam frouxamente e houve quem quisesse armar o braço do sicário. A opinião salvou-o, e a cidade, agitada pela palavra do jornal, fez arruaças, pequenos motins e obrigou o Governo a demitir esta e aquela autoridade. E O Globo vendeu-se, vendeu-se, vendeu-se... Aquele jornal que era sua propriedade, recebia também a sua inspiração. Nenhum dos seus redatores tinha uma personalidade suficientemente forte para resistir ao ascendente da sua. Medíocres de caráter e inteligência. embora alguns fossem mais ilustrados que ele, a ação deles no jornal recebia impulsão do doutor Ricardo, o sinete de sua paixão dominante, a sua característica; e esta era o despeito de sua fraca capacidade intelectual, a resistência que o seu cérebro oferecia ao trabalho mental continuo, de modo a não lhe permitir chegar às altas posições pelo prestigio do talento e do estudo, não lhe deixando o seu grande orgulho que chegasse de outra forma mais geral e mais fácil. Com uma grande sede de domínio e grandes apetites de mulheres e prazeres, mas sem talento, sem pertinácia e paciência, para atingir à fortuna e aos grandes cargos, consciente dessas falhas, o doutor Ricardo tinha ai um depósito inexaurível de emoções, sempre a esporeá-lo, a excitá-lo e bastante forte para marcar a sua pessoa e os seus atos. Demais, o seu desgosto e o seu despeito podiam cevar-se na mediocridade de inteligência e na geral desonestidade dos que governavam e dominavam; era só fechar os olhos e estender a mão. Diziam que os primeiros artigos não tinham sido escritos pôr ele, mas deviam ter sido inspirados; foi a sua paixão contagiosa que os ditou ao amigo complacente que os escreveu. Durante os cinco anos que estive na redação, senti que o seu estado d'alma "pegava", alastrava-se pelos amigos e subalternos, tanto que, nas suas ausências, o diário não perdia o tom e os artigos pareciam ter sido revistos por ele na véspera e saírem de sua fonte inexaurível de desgosto, despeito e rancor. Entretanto, fora do momento, fora do minuto em que se punham a escrever e sentiam a presença do O Globo diante dos olhos, aqueles redatores eram a gente mais satisfeita desta vida, satisfeita consigo, com a posição que tinham e com a sociedade que os cercava. O doutor Ricardo Loberant entrou fumando com força seguido de Pacheco Rabelo (Aires d'Ávila), redator-chefe do jornal, a segunda cabeça da casa. Era um homem gordo que se movia pela sala com a dificuldade de um boi que arrasta a relha enterrada da charrua. Havia na sua marcha um grande esforço de tração e um monóculo petulante na face imóvel não lhe diminuía o peso da figura. Os dois penetraram na redação pondo na sala uma inexplicável atmosfera de terror. Pelos longos anos em que estive na redação do O Globo, tive ocasião de verificar que o respeito, que a submissão dos subalternos ao diretor de um jornal só deve ter equivalente na administração turca. É de santo o que ele faz, é de sábio o que ele diz. Ninguém mais sábio e mais poderoso do que ele na Terra. Todos têm por ele um santo terror e medo de cair da sua graça, e isto dá-se desde o continuo até o redator competente em literatura e coisas internacionais. Passando por entre as mesas, tal era a concentração das faces e o ar aterrado daqueles homens tão arrogantes lá fora, tão sublimes na rua, que eu pensei que se fossem atirar ao chão para serem pisados por aquele novo deus, dando-me ali um espetáculo da Índia mística. Ricardo Loberant e Aires d'Avila entraram no gabinete onde estava Leporace. O diretor tirou o chapéu, descansou a bengala num canto, sentou-se ao bureau-ministre e gritou bem alto. - "Seu" Leporace, como e que o senhor deixa publicar esta porcaria (apontou o jornal) na primeira página? Leporace era o secretário, arrogante como todo jornalista, apesar de ser uma pura criação de Loberant. Formado, sem emprego, sem fortuna, sem "pistolões", veio a encontrar-se com o doutor Ricardo. Loberant gostou da sua submissão, do ar respeitoso com que era tratado pelo rapaz, daquela espécie de admiração muda pelo seu gênio que ninguém sentia, e começou a interessar-se por ele dando-lhe sociedade na banca, arranjando-lhe clientes. Começou precisando dele para apoiar a sua pessoa, teve pena depois da sua cobardia, da sua inaptidão para "cavar", acabou amando-o inteiramente. Quando fundou o jornal, trouxe-o como redator. Leporace foi aprendendo com os outros o oficio e acabou secretário, sumidade em literatura e jornalismo, árbitro do mérito, distribuidor de gênios e talentos - ele que nunca tivera o mínimo gosto, a menor inclinação por essas coisas e passara a meninice e as duas mocidades atracado com compêndios e fazendo exames como toda a gente! Hoje, é quase uma celebridade e passeia de carro pelas ruas asfaltadas do Rio de Janeiro, tendo ao lado a mulher e os pimpolhos. O berro de Loberant fez estremecer a natureza gelatinosa de Leporace. Ergueu-se, foi até à mesa do diretor, falou-lhe ciciando, desculpando-se e explicando-se. Na sala, ouvimos todos e o autor da "porcaria", Adelermo Caxias, recebeu aquela injúria sem o mais leve movimento de revolta, resignadamente, com resignação difícil de esperar em escritor do seu talento, uma grande esperança das gerações novas. Estava ali havia mais de meia hora. Depois da brusca reprimenda do diretor, o silêncio fez-se de novo, e os redatores continuaram a escrever, indo um, de onde em onde, consultar outro timidamente em voz baixa ou procurar uma coleção de jornais distante. A presença do diretor na sala contígua era sentida pelo ruído constante do papel rasgado; parecia que ele escrevia tiras para rasgá-las logo que estavam escritas a meio. Do meu lugar, via-lhe a ponta dos ombros e a Aires d'Ávila inteiramente. O jogo de luzes projetava fantasticamente este último no vão da parede defronte. A sua face alongava-se desmedidamente e o crânio diminuía; o maxilar inferior avançava muito, o nariz ficava colado ao superior e vinha terminar com ele; e tudo tomava uma posição oblíqua, como se fosse uma imensa cabeça de porco. Escrevia, ora com monóculo, ora sem ele; e fumava com a satisfação de um turco que repousa do jantar para se fatigar no harém. Num dado momento, o doutor Ricardo ergueu-se impetuosamente e surgiu na sala como um vendaval. Gritou: - Eu já disse aos senhores que isto não é escada para ninguém subir... É um escândalo! Todo dia elogios, adjetivos a encher o... desses pulhas ai! Já disse que "eminente" aqui é só o José Bonifácio. - Arre! Quem é esse tal Ruskin que morreu? Ninguém se animou a responder e ele continuou no seu primeiro tom: - Um literato ai qualquer, um contador de caraminholas... Não quero mais que se chame ninguém de eminente nas colunas do meu jornal, senão o José Bonifácio - saibam de uma vez por todas! O doutor Gregoróvitch não chegava e comecei a sentir-me também invadido por aquela atmosfera de terror. O diretor tinha voltado ao seu gabinete e continuou a rasgar papel. Certa vez, levantou-se, foi até à janela e, na volta, eu pude ver o seu maxilar proeminente e quadrado e o ar terrível que tinha a sua fisionomia banhada da turva luz que se desprendia do olhar. Então, admirei-me que aquele homem, sob cujo nome apareciam tão formidáveis ataques aos nossos problemáticos tiranos, fosse ele mesmo, na administração de sua folha, um tirano malcriado e feroz. Ele parecia não achar sossego: sentava-se, levantava-se, ia à janela; por fim saiu estrepitosamente. Ao chegar à porta que dava para o corredor, voltou e gritou a esmo: - O Gregoróvitch já veio? A um só tempo quase todos responderam prestamente: - Ainda não, senhor doutor. -Bem, retrucou o doutor Ricardo. Quando ele chegar, digam-lhe que escreva um artigo sobre o empréstimo da Prefeitura... É preciso não deixar descansar esses tratantes! Lá em cima da minha mesa, acrescentou logo, está o começo do meu e ele que continue... Leporace veio até à porta receber as recomendações, embora Loberant não se tivesse dirigido a ele. Logo que o diretor saiu, correu-lhe à mesa para apanhar os preciosos escritos. Vi-os. Eram três delgadas tiras de papel cheias de emendas e de algumas frases em grandes letras. Sentindo-o longe, os seus auxiliares voltaram a conversar. - Está com a bicha, disse o Meneses. Ainda não tinhas visto disso, hein Adelermo? Aqui é assim... - Admira-me que só agora tivesse visto que era porcaria... De manhã, nada disse. - Não há admirar, fez um outro. A mulher só lhe fala nas coisas do jornal ao jantar, e ele guia-se muito pela opinião dela... Adelermo acendeu um cigarro, tirou uma fumaça calado; depois, impregnado de tristeza, disse vagarosamente que era triste que os seus trabalhos tivessem que ficar sujeitos ao veredictum de uma menina das irmãs de caridade. Os outros nada lhe disseram e ele acendeu de novo o cigarro, pôs-se a olhar ao longe com tristeza, em seguida essa expressão desfez-se e quando voltou a trabalhar sua fisionomia sorria de orgulho interior. O Oliveira então interveio: - És injusto com Dona Inês, Adelermo... Não é como tu dizes uma simples menina das irmãs... É uma senhora ilustrada; fala francês, monta a cavalo e... Ainda outro dia, eu vi uma carta dela... Que letra! E que ortografia! Imagina que eram só termos de Medicina... Terapêutica... Psicologia... agapanto... Não é brinquedo! E todos corretos! Eu fui ver no dicionário... No gabinete, o anafado redator-chefe continuava a escrever, fingindo não dar atenção à conversa. O charuto estava pelo meio e era aspirado com o vigor de uma bomba poderosa. Acabando de escrever, leu o artigo vagarosamente, e ergueu-se e veio ao umbral do tabique: - Estás zangado com o Ricardo, Adelermo? - Não, doutor, mas... - Vocês são assomados... E da idade... Se não se atravessar certas coisas, não se vai mesmo. Olhem: eu, logo ao sair da academia (!), fui trabalhar com meu pai, no Diário Fluminense. Uma noite, escrevi um artigo e julgava-o sofrível. Pois bem: o velho era casmurro, veio até à sala de redação e rasgou-o todinho na minha cara e à vista de uma porção de gente... Parou de falar, tirou uma fumaça e depois de ter franzido a fisionomia para manter o monóculo no lugar, perguntou vitoriosamente: - E agora, não estou aqui? - Eu sei, doutor, falou o Adelermo; mas... - Vocês não têm outro patrão como o Ricardo, continuou Aires d'Ávila, sem se incomodar com o Adelermo. Vejam ( por aí ele teve um arroto do jantar saboroso). Vejam o que ele fez com o Sanches?! É isso... Há poucos com a sua generosidade e grandeza d'alma... É um fidalgo, um mãos-abertas! O Oliveira confirmou as asseverações do pachorrento redator, acrescentando: - E demais vejam quem fala mal dele... São esses ladrões, esses rufiões, gente desmoralizada que quer avançar... - Eu digo isso sempre dos que o julgam mal, disse alguém. Ainda ontem, conversando com o Andrade, tive ocasião... - Você se dá com esse Andrade? indagou o Oliveira. - Dou-me. É um belo rapaz, meio... - Qual! exclamou Oliveira. É uma besta! - Não é, Oliveira; é um rapaz que escreve... - Qual! Eu quero ver esses literatos escreverem duas colunas de incêndio, aqui, no duro... O próprio Rui... Aires d'Ávila prudentemente interrompeu a critica do Oliveira. Não era tanto em obediência à sua admiração pelo famoso advogado; com certeza era pelo respeito que lhe inspirava a sua posição política. Interrompeu, perguntando: - Quem é esse Andrade? A amizade subalterna do Oliveira esperava essa pergunta para explodir em arras de sua dedicação ao doutor Loberant. - É um moleque ai, uma besta! O paquiderme colocou o monóculo e disse com toda a gravidade: - Ah! Já sei... Um hâbleur! Gente que confunde o brilho com a inteligência... Fracas inteligências... Fracas inteligências a que a mocidade dá um brilho fugaz... E o monstruoso redator desandou dizendo asneiras. Eu estava ali de colarinho sujo, esfomeado, mas tive ímpeto de discutir e de quebrar a cara dos idiotas que o ouviam. Entre eles, havia alguns a quem cabia bem a carapuça, mas que se calaram cobardemente. Queria perguntar-lhe se aqueles seus artigos acacianos, cheirando ainda muito à brochura francesa de dois mil e quinhentos se podiam pôr a par dos trabalhos do Tito Lívio, do Tobias Barreto; eu queria perguntar-lhe se a sua genialidade no artiguete seria capaz de aparecer se tivesse nascido nas condições desfavoráveis do Caldas Barbosa, do José Maurício, do Silva Alvarenga e outros! E não sei que movimento fiz na cadeira, sopitando a vontade de falar, que o Megatherium notou e perguntou-me: - Que é que o senhor deseja? - Falar ao doutor Gregoróvitch. - Oliveira, o Gregoróvitch quando vem? - Às oito horas. - Você, meu filho, tem muito que esperar, disse ele com doçura. São sete e um quarto ainda. - Esperarei, disse eu. E eles recomeçaram a conversar sobre outro assunto e vieram a cessar instantaneamente quando se ouviram passos na escada. Esperava-se o doutor Loberant, mas entrou o fino, o elegante, o diplomático, o macio Frederico Lourenço do Couto, com a sua linda barba perfumada e o seu grande queixo erguido e atirado para adiante como um aríete de couraçado. Vinha todo perfumado, de olhar lustroso, desprendendo essências, com o peitinho da camisa a brilhar imaculadamente e um grande botão de coral ao centro, rodeado de brilhantes. Trazia o sobretudo debaixo do braço e entrou pisando forte, dando amáveis boas-noites. Vim a conhecê-lo melhor e a minha antipatia não diminuiu; entretanto, hoje, ao recordar-me com que sombria energia ele pôs fim ao seu desespero, ao ver diante de meus olhos a imagem do seu cadáver com aquela fraca cabecinha estourada por uma bala, tenho uma grande e imensa pena e lastimo que a minha total ignorância das coisas da Igreja não me permita rezar uma oração em favor de sua alma. Era o Floc, pseudônimo com que assinava os seus artigos, os artigos de três tiras, ligeiros e originais, em que, na máxima parte, ele contava uma linda anedota literária donde concluía as suas substanciosas opiniões. Na redação, era conhecido e respeitado como entendido em literatura e coisas internacionais. Ele e o Lobo, o consultor gramatical, eram os dois mais altos ápices da intelectualidade do O Globo. Eram os intelectuais, os desinteressados, ficavam fora da ação ordinária daquele exército. Nunca se metiam nas polêmicas, não procuravam escândalos, não escreviam alusões. Eram os estandartes; as águias... Gregoróvitch era a artilharia. Com o seu estilo desconjuntado e a sua violência injuriosa, abria brecha nas linhas adversárias e dizimava-as de longe. Estrangeiro, nada sabendo da nossa história, nem pelo estudo nem a sentindo pelo sangue, a sua critica e o seu ataque tinham uma violência desmedida. Não poupava, não desculpava, não sentia até que ponto o homem era culpado, até que ponto a marcha das coisas fazia o homem culpado. Ligeiramente enfronhado nas causas da política do momento, ele só via diante de si um aspecto do fato, não sentia inconscientemente os outros que se ligavam com o passado que ele não conhecia, nem os outros que o futuro pressentido condicionava. Um brasileiro, educado e criado no meio das tradições, dos usos, dos hábitos, das qualidades, dos defeitos do seu meio, não teria a violência de sua linguagem, a sua força de critica, a brutalidade de seu ataque. Acharia na sua educação e nos seus costumes desculpa para as faltas dos outros que ele sentia também ser suas. Gregoróvitch que, além de estrangeiro, não tinha pátria ao certo, era incapaz de apanhar relações, explicações, só via faltas, erros, onde havia simplesmente efeitos, resultados, e atirava-se com toda a violência de seu temperamento de aventureiro e condottiere da pena contra aquele reino de incas, de astecas que ele não compreendia. Além dele, havia o Losque e o Lara, homens de espirito, humoristas, espécie de cavalaria, parte viva no ataque e capaz ainda de deitar frechas mortais na retirada. O resto era a infantaria, o grosso do exército, do qual fazia parte o Oliveira, admirando o diretor como um deus e supondo-se extraordinário no seu ofício de repórter; o resignado Meneses, indulgente criatura que naquele ambiente de fatuidade e ignorância era o único simples e o único que estudava; o Rolim, o elegante Rolim, vigorosamente analfabeto, mas lindo como Narciso; o Costa, o Barros, o agente de anúncios que, não contente em auferir vultosas comissões pela publicação deles, ainda lhe pedia a vaidade a ilusão de passar por "homem de pena" nas "partidas" de clubes dançantes e em outras festividades, onde ia sempre representar o jornal e exercer a eloqüência, respondendo aos brindes feitos à folha, assessorado pelo Orador Popular; e, além destes, quantos mais! Muitos. Mas há dois colaboradores que, em todo o jornal, devem merecer observações especiais e estudo à parte. São eles: o charadista e o cronista esportivo. Destes dois auxiliares das gazetas não sei qual o mais interessante e curioso, embora dessemelhantes. O charadista vive sempre pobre e mal vestido; o entendido em cousas de cavalos, apurado no vestuário, sempre com dinheiro, jóias, anéis, apesar dos exíguos vencimentos que tem. Os repórteres e redatores têm por este último um desprezo mal sopitado e não o consideram jornalista. Admitem-no como um amador, um curioso, um ornamento inútil, assim como uma filigrana em vaso destinado a misteres úteis ou um remate caprichoso em um móvel indispensável. Eles mesmos assim se consideram e admitem tacitamente a opinião dos jornalistas, pois formam sociedades à parte e preferem ao convívio dos colegas das folhas, o comércio de proprietários de animais de corridas, de tratadores, de jóqueis, de sujeitos de book-maker, enfim desses homens de coudelarias e adjacências que, com um pouco mais de ferocidade e sangue, lembram, pela sua insignificância e inutilidade e, ao mesmo tempo, pela importância a que se arrogam e a estima em que são tidos, os retiários, os mirmillons, os bestiários e outras espécies de gladiadores antigos e o seu cortejo necessário. Não há nada mais enfadonho que uma crônica de corridas. Quem lê uma, lê todas. Excetuando os dados de momento, são escritas com os mesmos verbos, os mesmos adjetivos, os mesmos advérbios. Até o tom homérico em que são escritas, concorre para essa monotonia. No seu sopro épico, há sempre o apelo para os "apostos" que se repetem, desde que se fala em tal ou qual animal. Têm-nos, os cronistas, sempre prontos na memória e não se esquecem de colocá-los logo que venham a referir-se a dado e certo cavalo. Se tratam de "Rayon d'Or", por exemplo, imediatamente o analista dos prados deixa pingar da pena e encaixa, entre virgulas, bem ao lado do nome do cavalo: "o valente filho de ‘Bayard’ e ‘Ninive’"; se vai dizer qualquer coisa da égua "Maracanã", não se esquece nunca de escrever como reforço ao nome da alimária: "a vitoriosa pensionista do stud São Francisco". A ênfase lhes é indispensável para vazar a emoção que trazem dos prados e cantar as pugnas cavalares. Para eles, não são potros e éguas que se batem; são heróis de Homero. É Agamenon, é Priamo, é Heitor, é Aquiles que estão a pelejar diante dos muros de Tróia e com os Deuses e Deusas nas arquibancadas. Menos considerado do que o cronista de coisas eqüinas, nos jornais, só o charadista. Ele não tem uma classificação justa e certa; e todos os homens de imprensa têm escrúpulos em qualificá-lo de colaborador. Em geral é um rapazola, empregado aqui ou ali, que não vence ordenado algum na folha, melancólico, curvado, afigurando-se-nos sempre que vive debruçado sobre dicionários e, não sabemos por quê, com uma forte lente como se fosse um gravador de miniaturas. Vem ao jornal, procura a correspondência, entrega com timidez a "seção" ao secretário e ninguém lhe nota a presença resignada e paciente de tenaz fabricante de quebra-cabeças. O do meu jornal, embora fosse pouco assíduo à redação, como os seus semelhantes, pude conhecer mais de perto. Era ele um velho de cerca de sessenta anos, empregado do Ministério da Marinha, no Arsenal ou em uma fábrica de pólvora. Usava costeletas sempre bem aparadas a tesoura, tinha uma cor terrosa, baça, pince-nez, não largava a piteira de coco com um cigarro modesto e pisava como se quisesse dar pequenos saltos. Tinha um ar de saracura. Além de charadista, julgava-se poeta, pelo simples fato de compor uns monólogos desenxabidos e recitá-los nas salas. Dei-me muito com ele e posso garantir que não conheci nunca pessoa tão cheia de cândido orgulho como esse maníaco de charadas. Imaginava-se uma grande coisa, um intelectual, um escritor e era rara a vez que, conversando comigo, não se queixasse da sua situação no funcionalismo público, da pouca importância que davam aos seus talentos. - Veja você só: estou há quase quarenta anos no Ministério e não fazem nada por mim. Tenho tido várias comissões importantes. Organizei o catálogo da Biblioteca da Escola de Aprendizes e, ainda há dias, recitei um monólogo meu - "Os Barbados" - na casa do Contra-Almirante Esteves. As moças gostaram muito e a filha do almirante até me disse: "Vou falar a papai, para aproveitar a inteligência do senhor". Soube mais tarde que, de fato, não havia festa em casa de qualquer magnata da Marinha, para que ele não fosse convidado. Orgulhava-se muito com isso e, ao dia seguinte, contava aos colegas as atenções que tinha recebido, como para provocar a inveja deles. A verdade, porém, é que lá figurava como um músico de banda, um cantador de modinhas ou um pelotiqueiro que lá fossem para distrair as moças, sem ficar no mesmo pé de igualdade que os outros convidados. Mesmo assim, a sua vaidade de poeta doméstico ficava satisfeita. A promessa da filha do Esteves deu-lhe muitas esperanças; e, após algum tempo, eu lhe perguntei: - O senhor já arranjou alguma coisa? - Qual! Não me fizeram nada. É isto: quando querem versos, pedem-me, rogam; quando querem recitativos, chegam quase a chorar; mas... - Que é que o senhor queria? - Eu queria ir para a secretaria. - Por que não o nomeiam? - Há a tal história de concurso... Uma bandalheira... Fazem, mas não sabem nada. Um dia destes, conversando com o Chaves, segundo oficial da secretaria, ele não sabia o que era crematística... É assim! Era a sua obsessão, além das charadas, ser amanuense da secretaria de Estado do seu ministério. Pobre velho! Queria, no fim da vida, ocupar um lugar de menino! Antônio Galo, era este o seu nome, não deixava os dicionários e almanaques de lembranças, e dizia que, na repartição, pelo vício do maneio de vocabulários e dicionários, tinha substituído o habitual aos funcionários públicos de ler jornais. Era assim composta aquela peça jornalística que tinha irrompido pela vida política e administrativa do Brasil com a violência e com o inesperado de um fenômeno vulcânico. À frente, estava o doutor Ricardo Loberant, bacharel em Direito, de inteligência duvidosa e saber inconsciente, com o seu estado-maior, formado de Aires d'Ávila, um monstro geológico com prematuros instintos de raposa; e o Leporace, um secretário mecânico, automático, ser sem alma, sem defeitos nem qualidades, que recebia os seus movimentos do exterior e os comunicava às outras peças da máquina; à parte, um tanto afastado, como aqueles traficantes que acompanham os exércitos, havia o Alberto Pranzini, o gerente, um italiano de olhar torvo a abranger um grande arco de circulo no horizonte, calculador de níqueis, que joeirava a despesa e trazia para as gavetas do jornal os tostões da população e um pouco dos lucros do comércio português no Rio de Janeiro, isto é, de todo o comércio da cidade, pois todo ele é português, tem o seu espírito, a sua alma, e as regras. Floc, porém, sobre todos tinha o grande prestigio de ter estado em Paris e ter sido segundo-secretário da nossa legação em Quito. Por isso, ele mesmo se julgava mais depuradamente artista que o resto dos rapazes que faziam literatura pelo Brasil em fora; e o seu estágio diplomático em Quito dava-lhe também um infalível julgamento nas coisas de alta elegância e um saber inarrável nas maneiras de tratar duquesas e princesas. Fazia a crônica literária, as crônicas teatrais dos espetáculos de todas as celebridades, as informações sobre literatura e pintura, além do plantão semanal em que ajeitava frases lindamente literárias, dados da Psicologia chic, as noticias de assassinatos perpetrados por soldados ébrios na Rua de São Jorge, não esquecendo nunca de dizer que o "criminoso é o tipo acabado do criminoso nato, descrito pelo genial criminalista italiano Lombroso". Ia a um banquete diplomático. A sua entrada não perturbou a conversa. - ... um moleque! zurrou o Oliveira. - De quem falas, Oliveira? indagou o recém-chegado. - Um mulato ai, um tal Andrade... - Incomoda-te o que ele escreve? - Com certeza, pois se chama o doutor Ricardo de pirata, de Barba-Roxa... - Ora! Tu! Essa gente está condenada a desaparecer; a ciência já lhes lavrou a sentença... Ele de ciência sabia o nome e ignorava a conta de dividir. Calou-se um instante e acrescentou: - É preciso fulminar os nulos! Lobo tinha-se mantido calado. Durante toda a conversa, dissera uma ou outra frase ligeira. Revia absorvido um artigo e não queria distrair-se de modo a perder a menor regra gramatical com que pudesse emendar o original. Tendo o Floc e o Oliveira cessado de falar, alguém perguntou-lhe: - Doutor Lobo, como é certo: um copo d'água ou um copo com água? O gramático descansou a pena, tirou o pince-nez de aros de ouro, cruzou os braços em cima da mesa e disse com pachorra e solenidade: - Conforme: se se tratar de um copo cheio, é um copo d'água; se não estiver perfeitamente cheio, um copo com água. Explanou exemplos, mas não pôde levá-los à dezena, pois alguém apontou na porta, o que mereceu uma exclamação do Aires d'Ávila: o Veiga! Todos se viraram e imediatamente apanharam no ar uma fisionomia sorridente repassada de admiração. Voltei-me também. Descobri logo quem era. Os retratos, espalhados pelos quatro cantos do Brasil, tinham tornado familiar aquela fisionomia; mas, de perto, ali a dois passos de mim, o seu olhar fixo, atras de fortes lentes, a testa baixa e fugidia, quase me fizeram duvidar que fosse aquele o Veiga Filho, o grande romancista de luxuoso vocabulário, o fecundo conteur, o enfático escritor a quem eu me tinha habituado a admirar desde os quatorze anos... Era aquele o homem extraordinário que a gente tinha que ler com um dicionário na mão? Era aquela a forte cerebração literária que escrevia dois volumes e três volumes por ano e cuja glória repousava sobre uma biblioteca inteira? Fiquei pasmado. Com aquele frontal estreito, com aquele olhar de desvairado, com aquela fisionomia fechada, balda de simpatia, apareceu-me sem mobilidade, sem ductibilidade, rígido, sinistro e limitado. Acresce que o branco da sua tez soava falso, e do seu espirito julguei logo, vendo o esforço que punha a escova na testa para ganhar diariamente terreno no cabelo! Foi uma má impressão que se desfez mais tarde. - Veiga, disse Floc depois dos cumprimentos, gostei muito da tua conferência. Foi uma epopéia, uma ode triunfal ao grande corso! - Houve pedacinhos lindos, intrometeu-se o Oliveira. Quando, por exemplo, o doutor falou naquele inglês lá da ilha que tinha feito sofrer "o último grande homem da nossa espécie", foi como se eu tivesse visto o próprio Napoleão - grande, alto, com aquele cavanhaque. - Napoleão era baixo e não tinha barba, disse alguém. - É um modo de dizer, quero falar na figura, na... Era extraordinário mesmo! E a gente, continuou Oliveira, e a gente fica admirado que um homem desses tenha sido cercado, acuado em Sedan! - Em Waterloo, é que você quer dizer... - Em Waterloo! Não foi em Sedan? O Zola, na Derrocada... Eu li! - Ah! Isto é Napoleão III, acudiu Floc. - É VERDADE! Fez o Oliveira. Que confusão! Veiga Filho passeava a olhar pela sala, distraído, sem dar grande atenção ao Oliveira. Digeriu o seu triunfo e só saiu dessa digestão difícil, quando Floc lhe disse: - E quanta gente! Muitas senhoras... moças, gente fina... Estavam as Wallesteins, as Bostocks, as Clarks Walkovers... Podes-te gabar que tens o melhor auditório feminino da cidade... Nem o Bilac. Por ai os seus olhos tiveram uma grande e forte expressão de triunfo. Disfarçou com um movimento de modéstia e perguntou: - Já deste a notícia? - Ainda não; não tenho tempo... Vou ao banquete do ministro e... - Quando a vais fazer? - Hoje não posso, vou ao banquete; mas o Leporace podia dar... Leporace (gritou para o secretário), escreve a noticia da conferência do Veiga! - Não tenho tempo, objetou o fanhoso secretário, aproximando-se do grupo. Durante minutos estiveram discutindo quem devia dar ou não a noticia, sem chegar a um acordo. Leporace, então, lembrou que o próprio Veiga a fizesse: - Estás doido! objetou o romancista. Não viste o que aconteceu da outra vez? Que diriam? - Ora! Que tolice! Como se houvesse alguém que acreditasse no murmúrio desses literatecos... Umas bestas, uns vagabundos; escreve, anda! A sua natureza de boa fé complacente fê-lo aceder. Eu demorei-me ainda muito e pude ouvi-lo ler a noticia. Começou dizendo que era impossível resumir uma conferência de um artista como Veiga Filho. Para ele, as palavras eram a própria substancia de sua arte. Dizer em alguns períodos o que ele dissera em hora e meia, era querer mostrar a beleza do fundo do mar com uma gota d'água trazida de lá (não citou o autor). Em seguida, a grande glória das letras partias mostrou como tinha começado: citou Nietzsche, de quem, hoje, entre nós, Veiga Filho e um dos mais profundos conhecedores e a cuja filosofia a sua inspiração obedece. Começou com o Zaratustra: o homem é uma ponte entre o animal e o super-homem. Daí partiu seguindo o grande corso na passagem desta ponte. Serviu-se dos mais modernos historiadores: Masson, Albert Sorel, Lord Rosebery. Descreveu a batalha de Austerlitz, contou a campanha da Rússia e a passagem do Berezina foi motivo para uma descrição das mais artísticas que até agora se fez na nossa língua. Pelo auditório, quando ele mostrou aqueles milhares de homens, caindo ao rio gelado, amontoando-se uns sobre os outros, debatendo-se, lutando sob uma chuva de metralha, correu um frisson de terror. Contestou teorias de Tólstoi, pôs finas notações aos ataques feitos a Napoleão e ao estudo de seu gênio por Lombroso. Patenteou uma grande erudição e conhecimentos não suspeitados; e, quando a sua palavra colorida descreveu os suplícios desse titã roído pelo enfado, houve na sala um soluço. Foi um duplo triunfo, terminava assim a noticia, de Veiga Filho e de Napoleão, o último grande homem que a nossa espécie viu, cuja grandeza e cujos triunfos aquele grande artista soube pintar e descrever, jogando com as palavras como um malabarista hábil faz com as suas bolas multicolores. Raro e fugace gozo foi essa conferência do eminente cultor das letras pátrias. Veiga Filho acabou de ler a noticia no meio da sala, cercado de redatores e repórteres. Enquanto ele lia cheio de paixão, esquecido de que fora ele mesmo o autor de tão lindos elogios, fiquei também esquecido e convencido do seu malabarismo vocabular, do sopro heróico de sua palavra, da sua erudição e do seu saber... Cessando, lembrei-me que amanhã tudo aquilo ia ser lido pelo Brasil boquiaberto de admiração, como um elogio valioso, isto e, nascido de entusiasmo sem dependência com a pessoa, como coisa feita por um admirador mal conhecido! A Glória! A Glória! E de repente, repontaram-me dúvidas: e todos os que passaram não teriam sido assim? e os estrangeiros não seriam assim também?... Mas, a indiferença da nossa gente, pelas coisas de espírito, talvez justifique tais manejos, penso agora. Naquela hora, presenciando tudo aquilo, eu senti que tinha travado conhecimento com um engenhoso aparelho de aparições e eclipses, espécie complicada de tablado de mágica e espelho de prestidigitador, provocando ilusões, fantasmagorias, ressurgimentos, glorificações e apoteoses com pedacinhos de chumbo, uma máquina Marinoni e a estupidez das multidões. Era a Imprensa, a Onipotente Imprensa, o quarto poder fora da Constituição! Anterior - Próximo
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