Marginália

A CARROÇA DOS CACHORROS

Quando de manhã cedo, saio da minha casa, triste e saudoso da minha mocidade que se foi infecunda, na rua eu vejo o espetáculo mais engraçado desta vida.

Amo os animais e todos eles me enchem do prazer da natureza.

Sozinho, mais ou menos esbodegado, eu, pela manhã, desço a rua e vejo.

O espetáculo mais curioso é o da carroça dos cachorros. Ela me lembra a antiga caleça dos Ministros de Estado, no tempo do Império, quando eram seguidas por duas praças de cavalaria de polícia.

Era no tempo da minha meninice e eu me lembro disso com as maiores saudades.

- Lá vem a carrocinha! - dizem.

E todos os homens, mulheres e crianças se agitam e tratam de avisar os outros.

Diz D. Marocas a D. Eugênia:

- Vizinha! Lá vem a carrocinha! Prenda o Jupi!

E toda a "avenida" se agita e os cachorrinhos vão presos e escondidos.

Esse espetáculo tão curioso e especial mostra bem de que forma profunda nós homens nos ligamos aos animais.

Nada de útil, na verdade, o cão nos dá; entretanto, nós o amamos e nós o queremos.

Quem os ama mais, não somos nós os homens; mas são as mulheres e as mulheres pobres, depositárias por excelência daquilo que faz a felicidade e infelicidade da humanidade - o Amor.

São elas que defendem os cachorros das praças de policia e dos guardas municipais; são elas que amam os cães sem dono, os tristes e desgraçados cães que andam por aí à toa.

Todas as manhãs, quando vejo semelhante espetáculo, eu bendigo a humanidade em nome daquelas pobres mulheres que se apiedam pelos cães.

A lei, com a sua cavalaria e guardas municipais, está no seu direito em persegui-los; elas, porém, estão no seu dever em acoitá-los.

Careta, 20-9-1919.

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