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Histórias e Sonhos DESPESA FILANTRÓPICA Quando ele me chegou à porteira de casa, acompanhado de outro sujeito mal-encarado, não o reconheci. Ele entrou a meu convite para a sala; sentou-se mais o companheiro e mandei servir-lhes café. Enquanto o café era esperado, ele se deu a conhecer. Aí é que foi a minha surpresa.
- Por quê? acudiu o amigo que ouvia o fazendeiro. - Por quê?... Porque era um dos mais famosos assassinos do lugar. - Diabo! Que visitante recebias tu com tanta distinção! - Foi mesmo o diabo! E fiquei contrariado em recebê-lo em casa. Se soubesse quem era, teria dado "pouso" em qualquer dependência da fazenda e evitado que ele me entrasse em casa; mas... o que estava feito, estava feito, tanto mais... - Sim; porque se fizesse qualquer jeito de contrariedade, ele talvez te desfeiteasse.
- Com toda a certeza! E, conquanto já estivesse habituado à vida daqueles lugares bravios, onde a coragem pessoal, mesmo com certa jactância, é indispensável, não me convinha absolutamente ter questão com semelhante sujeito que era o tipo acabado do interior do Brasil. - Há esse tipo? - Há, pois não. - Qual é o traço característico? - É a futilidade dos móveis do crime e a capacidade de matar a mandado de outrem. No interior, a mais simples rixa por causa de uma questão de compra e venda leva um sujeito ao assassinato. Uma frase assim, assim, que o Fagundes ouvia da boca do Antônio, como tendo, sobre ele, sido proferida por seu inimigo Orestes, determina que o Fagundes mate Orestes. Conto-te um caso: o Madruga se havia separado da mulher que se prostituíra e fora morar numa cidade distante. Passam-se anos e Madruga vai prosperando com o seu negócio no vilarejo. Parecia esquecido de sua infelicidade conjugal, quando lhe chega aos ouvidos que a sua mulher tresmalhada, no auge daquelas grosseiras orgias sertanejas, o injuriava com frases pesadas. Ele que faz? Arma-se, monta a cavalo e vai procurar a mulher na sua triste residência. Engabela-a e a mata. Consegue escapar, volta ao vilarejo, onde tinha negócio; espalha a "boa nova" do que fizera; publica, no jornal local, o seu retrato e o da mulher, a peso de dinheiro; e espera tranqüilamente a ação da justiça. - É incrível! - Pois é, meu caro Felício. O caipira, o matuto, o Jeca, como se diz atualmente depois de Monteiro Lobato, mata mais por vaidade do que mesmo por vingança, crueldade ou por tara. De forma que ser valentão, matador, é lá um título de honra e os assassinatos cometidos são como condecorações de ordens reais e imperiais. Sendo assim, nada mais fácil do que achar quem aceite encomendas de "mortes". - O teu visitante quantas já tinha? - Três; e era bem moço, de mais ou menos vinte e cinco anos. - Como te livraste dele? - Vou te contar. Estivemos conversando e ele me narrava proezas, expondo, ao mesmo tempo, a maldade de seus inimigos e a vingança que havia de tirar deles. Hás de supor que falava com raiva. - Não? - Qual! Falava com a calma mais natural deste mundo, empregando os mais lindos modismos do dialeto caipira. Num dado momento sacou da cinta uma imensa pistola parabélum e disse: "esta bicha tá virge, mas ela corre que nem veado". Era uma magnífica arma de treze tiros, com alcance de mais de mil metros. Pedi-lhe que ma deixasse ver. Examinei-a, pensando tristemente no esforço da inteligência que representava aquele aparelho, e que, entretanto, estava destinado a tão má aplicação. De repente perguntei ao assassino: "Aluísio, você quer vender esta arma? Dou trezentos mil-réis". Ele não pensou - porque Jeca está sempre disposto a fazer negócio, barganha e rifas - e disse: "Dotô, nós faz negoço". Dei-lhe o dinheiro, fiquei com a arma; e ele se foi, para voltar mais tarde. Voltou, de fato; mas, sabes o que ele trazia quando voltou? - Não.
- Um rifle Winchester que comprara por duzentos mil-réis. Eis em que deu minha despesa filantrópica.
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