Dispersas
A PALMEIRA
RJ, 6 jan. 1855
O.D.C.
A FRANCISCO GONÇALVES BRAGA
COMO É LINDA e verdejante
Esta palmeira gigante
Que se eleva sobre o monte!
Como seus galhos frondosos
S’elevam tão majestosos
Quase a tocar no horizonte!
Também amei com loucura
Sua imagem meiga e bela,
Que alentava o coração.
Como ao brilho purpurino
Do crepúsc’lo matutino
Da manhã o doce albor;
Ess’alma toda ternura
Dei-lhe todo o meu amor!
Ó palmeira, eu te saúdo,
Ó tronco valente e mudo,
Aqui te venho ofertar
Triste canto, que soltar
Vai meu triste coração.
Sim, bem triste, que pendida
Tenho a fronte amortecida,
Do pesar acabrunhada!
Sofro os rigores da sorte,
Das desgraças a mais forte
Nesta vida amargurada!
Amei!... mas negra traição
Perverteu o coração
Dessa imagem da candura!
Sofri então dor cruel,
Sorvi da desgraça o fel,
Sorvi tragos d’amar,gura!
......................................
Como tu amas a terra
Que tua raiz encerra,
Com profunda discrição;
Também amei da donzela
Adeus, palmeira! ao cantor
Guarda o segredo de amor;
Sim, cala os segredos meus!
Não reveles o meu canto
Esconde em ti o meu pranto
Adeus, ó palmeira! adeus.
ELA
Nunca vi, - não sei se existe
Uma deidade tão bela,
Que tenha uns olhos brilhantes
Corno são os olhos dela!
F. G. BRAGA
SEUS OLHOS que brilham tanto,
Que prendem tão doce encanto,
Que prendem um casto amor
Onde corri rara beleza,
Se esmerou a natureza
Com a meiguice e com primor.
Ornando purpúrea cor,
Celestes lábios de amor
Que com neve se harmoniza.
Com sua boca mimosa
Solta voz harmoniosa
Que inspira ardente paixão,
Dos lábios de Querubim
Eu quisera ouvir um - sim -
Pr’a alívio do coração!
Suas faces purpurinas
De rubras cores divinas
De mago brilho e condão;
Meigas faces que harmonia
Inspirada em doce poesia
Ao meu terno coração!
Sua boca meigo e breve,
Onde um sorriso de leve
Com doçura se realiza
Vem, ó anjo de candura,
Fazer a dita, a ventura
De minh’alma, sem vigor;
Donzela, vem dar-lhe alento,
Faz-lhe gozar teu portento
"Dá-lhe um suspiro de amor!"
TEU CANTO
29 jun. 1855
A UMA ITALIANA
É sempre nos teus cantos sonorosos
Que eu bebo inspiração.
Do AUTOR ["Meu Anjo".]
Tu És tão sublime
Qual rosa entre as flores
De odores
Suaves;
Que o peito me abala,
Que fala
De amor.
Teu canto é sonoro
Que excede ao encanto
Do canto
Das aves.
Se soltas as vozes
Que podem à calma,
Minh’alma
Volver;
Minh’alma se enleva
Num gozo expansivo
De vivo
Prazer.
Eu sinto nest’alma,
Num meigo transporte,
Meu forte
Dulçor;
Se soltas teu canto
Quisera
Te dar;
Se um beijo eu pudesse
Donzela, esta vida
Se eu tanto pudera,
Ardente e fugace
Na face
Pousar.
UM ANJO
RJ., out. 1855
À MEMÓRIA DE MINHA IRMÃ
Se deixou da vida o porto
Teve outra vida nos céus.
A. E. ZALUAR
FOSTE A ROSA desfolhada
Na urna da eternidade
Pr’a sorrir mais animada,
Mais bela, mais perfumada
Lá na etérea imensidade.
Alheia ao mundo devasso,
Passaste a vida sorrindo;
Derribou-te, ó ave, um braço,
Mas abrindo asas no espaço
Ao céu voaste, anjo lindo.
Rasgaste o manto da vida,
E anjo subiste ao céu
Como a flor enlanguecida
E pouco a pouco morreu!
Que o vento pô-la caída
Esse invólucro mundano
Trocaste por outro véu;
Deste negro pego insano
Não sofreste o menor dano
Que tu’alma era do Céu.
Tu’alma foi um perfume
Erguido ao sólio divino;
Levada ao celeste cume
C’os Anjos oraste ao Nume
Nas harmonias dum hino.
Foste a rosa desfolhada
Na urna da eternidade
Pr’a sorrir mais animada
Mais bela, mais perfumada
Lá na etérea imensidade.
MINHA MUSA
RJ, 22 fev. 1856
A MUSA, que inspira meus tímidos cantos,
É doce e risonha, se amor lhe sorri;
É grave e saudosa, se brotam-lhe os prantos.
Saudades carpindo, que sinto por ti.
A Musa, que inspira-me os versos nascidos
De mágoas que sinto no peito a pungir,
Sufoca-me os tristes e longos gemidos
Que as dores que oculto me fazem trair.
A Musa, que inspira-me os cantos de prece,
Que nascem-me d’alma, que envio ao Senhor.
Desperta-me a crença, que às vezes ‘dormece
Ao último arranco de esp’ranças de amor
A Musa, que o ramo das glórias enlaça,
Da terra gigante - meu berço infantil,
De afetos um nome na idéia me traça,
Que o eco no peito repete: - Brasil!
A Musa, que inspira meus cantos é livre,
Detesta os preceitos da vil opressão,
O ardor, a coragem do herói lá do Tibre,
Na lira engrandece, dizendo: - Catão!
O aroma de esp’rança, que n’alma recende,
É ela que aspira, no cálix da flor;
É ela que o estro na fronte me acende,
A Musa que inspira meus versos de amor!
COGNAC! ...
VEM, MEU COGNAC, meu licor d’amores!...
Ê longo o sono teu dentro do frasco;
Do teu ardor a inspiração brotando
O cérebro incendeia!...
Da vida a insipidez gostoso adoças;
Mais val um trago teu que mil grandezas;
Suave distração - da vida esmalte,
Quem há que te não ame?
Tomado com o café em fresca tarde
Derramas tanto ardor pelas entranhas,
Que o já provecto renascer-lhe sente
Da mocidade o fogo!
Cognac! - inspirador de ledos sonhos,
Excitante licor - de amor ardente!
Uma tua garrafa e o Dom Quixote,
É passatempo amável!
Que poeta que sou com teu auxílio!
Somente um trago teu m’inspira um verso;
O copo cheio o mais sonoro canto;
Todo o frasco um poema!
MINHA MÃE
(Imitação de COWPER)
Quanto eu, pobre de mim! quanto eu quisera
Viver feliz com minha mãe também!
C. A. De Sá
QUEM Foi que o berço me embalou da infância
Entre as doçuras que do empíreo vêm?
E nos beijos de célica fragrância
Velou meu puro sono? Minha mãe!
Se devo ter no peito uma lembrança
É dela que os meus sonhos de criança
Dourou: - é minha mãe!
Quem foi que no entoar canções mimosas
Cheia de um terno amor - anjo do bem
Minha fronte infantil - encheu de rosas
De mimosos sorrisos? - Minha mãe!
Se dentro do meu peito macilento
O fogo da saudade me arde lento
É dela: minha mãe.
Qual anjo que as mãos me uniu outrora
E as rezas me ensinou que da alma vêm?
E a imagem me mostrou que o mundo adora,
E ensinou a adorá-la? - Minha mãe'
Não devemos nós crer num puro riso
Desse anjo gentil do paraíso
Que chama-se uma mãe?
Por ela rezarei eternamente
Que ela reza por mim no céu também;
Nas santas rezas do meu peito ardente
Repetirei um nome: - minha mãe!
Se devem louros ter meus cantos d’alma
Oh! do porvir eu trocaria a palma
Para ter minha mãe!
O SOFÁ
OH! COMO É suave os olhos
Sentir de gozo cerrar,
Sobre um sofá reclinado
Lindos sonhos a sonhar,
Sentindo de uns lábios d’anjo
Um medroso murmurar!
Sobre o seu sofá mimoso,
Cheirosas, vivas então,
Achei um dia perdidas,
Perdidas: por que razão!
Talvez ardente entrevista
Toda paixão, toda amor
Fizesse ali esquecê-las
Quem não sabe? sem vigor
Estas flores só recordam
Um passado encantador!
Um sofá! Mais belo símbolo
Da preguiça outro não há...
Ai, que belas entrevistas
Não se dão sobre um sofá,
E que de beijos ardentes
Muita boca aí não dá!
Um sofá! Ameno sítio
Para colher um troféu,
Para cingir duas frontes
De amor num místico véu,
Ai, que belas entrevistas
Não se dão sobre um sofá,
E que de beijos ardentes
Muita boca aí não dá!
Um sofá! Estas violetas
Murchas, secas como estão
E entre beijos vaporosos
Da terra fazer um céu!
Um sofá! Mais belo símbolo
Da preguiça outro não há...
VAI-TE
1.o jan. 1858
POR QUE VOLTASTE? Esquecidos
Meus sonhos, e meus amores
Frios, pálidos morreram
Em meu peito. Aquelas flores
Da grinalda da ventura
Tão de lágrimas regada,
Nesta fronte apaixonada
Cingida por tua mão,
Secaram mortas estão.
Pobre pálida grinalda!
Faltou-lhe um orvalho eterno
De teu belo coração.
Foi de curta duração
Teu amor: não compreendeste
Quanto amor esta alma tinha...
Vai, leviana andorinha,
A outro clima, outro céu:
Meu coração? Já morreu
Para ti e teus amores,
E não pode amar-te - vai!
O hino das minhas dores
Dir-to-á a brisa, à noite,
Num terno, saudoso - ai -
Vai-te - e possa a asa do vento
Que pelas selvas murmura,
Da grinalda da ventura
Que em mim outrora cingiste,
Inda um perfume levar-te,
Morta assim: como um remorso
Do teu olvido... eu amar-te?
Não, não posso; esquece, parte;
Eu não posso amar-te... vai!
ÁLVARES D'AZEVEDO
AO SR. DR. M. A. D'ALMEIDA
Veio em fúnebre cipreste
Transformada a ovante palma!
PORTO ALEGRE.
MORRER, de vida transbordando ainda,
Como uma flor que ardente calma abrasa!
Águia sublime das canções eternas:
Quem no teu vôo espedaçou-te a asa?
Quem nessa fronte que animava o gênio,
A rosa desfolhou da vida tua?
Onde o teu vulto gigantesco? Apenas
Resta uma ossada solitária e nua!
E contudo essa vida era abundante!
E as esperanças e ilusões tão belas!
E no porvir te preparava a pátria
Da glória as palmas e gentis capelas!
Sim, um sol de fecunda inteligência
Sobre essa fronte pálida brilhava,
Que à face deste século de indústria
Tantos raios ardentes derramava!
E pôde a morte destruir-te a vida!
E dar à tumba a tua fronte ardente!
Pobre moço! saudaste a estrela d’alva,
E o sol não viste a refulgir no Oriente!
Morrer, de vida transbordando ainda,
Como uma flor que ardente calma abrasas!
Águia sublime das canções eternas:
Quem no teu vôo espedaçou-te a asa?
Voltaste à terra só - Não morrem Byrons,
Nem finda o homem na friez da campa!
Homem, tua alma aos pés de Deus fulgura,
Teu nome, poeta. no porvir se estampa!
Não morreste! estalou a fibra apenas
Que a alma à vida de ilusões prendia!
Acordaste de um negro pesadelo,
E saudaste o sol do eterno dia!
Mas cá fica no altar do pensamento
Teu nome como um ídolo pomposo,
Que a fama com o turíbulo dos tempos
Perfuma de um incenso vaporoso!
E ao ramalhete das brasílias glórias,
Mais uma flor angélica se enlaça,
Que a brisa ardente do porvir passando
Trêmula beija e a murmurar abraça!
Byron da nossa terra, dorme embora
Envolto no teu fúnebre sudário,
Murmure embora o vento dos sepulcros
Junto do teu sombrio santuário.
Resta-te a c’roa santa de poeta,
E a mirra ardente da oração saudosa,
E pelas noites calmas do silêncio
Os séculos da lua vaporosa!
Ela te chora, e ali com ela a pátria,
Pobre órfã de teus cânticos divinos,
E das brisas na voz misteriosa,
Da saudade da dor sagram-te os hinos!
Dorme junto de Chatterton, de Byron,
Frontes sublimes, pra sonhar criadas,
Almas puras de amor e sentimento,
Harpas santas, por anjos afinadas!
Dorme na tua fria sepultura
Guarda essa fronte vaporosa, ardente,
Tu, que apenas saudaste a estrela-d'alva
E o sol não viste a refulgir no Oriente!
REFLEXO
OLHA: VEM sobre os olhos
Tua imagem contemplar,
Como as madonas do céu
Vão refletir-se no mar
Pelas noites de verão
Ao transparente luar!
Olha e crê que a mesma imagem
Com mais ardente expressão
Como as madonas no mar
Pelas noites de verão,
Vão refletir-se bem fundo,
Bem fundo - no coração!
A MORTE NO CALVÁRIO
Semana Santa, 1858
AO MEU AMIGO O PADRE SILVEIRA SARMENTO
Consummatum est!
EI-LO, VAI sobre o alto Calvário
Morrer piedoso e calmo em uma cruz!
Povos! naquele fúnebre sudário
Envolto vai um sol de eterna luz!
Ali toda descansa a humanidade;
É o seu salvador, o seu Moisés!
Aquela cruz é o sol da liberdade
Ante o qual são iguais povos e reis!
Povos, olhai! - As fachas mortuárias
São-lhe os louros, as palmas, e os troféus!
Povos, olhai! - As púrpuras cesáreas
Valem acaso em face do Homem-Deus?
Vede! mana-lhe o sangue das feridas
Como o preço da nossa redenção.
Ide banhar os braços parricidas
Nas águas desse fúnebre Jordão!
Ei-lo vai sobre o alto do Calvário
Morrer piedoso e calmo em uma cruz!
Povos! naquele fúnebre sudário
Envolto vai um sol de eterna luz!
II
Era o dia tremendo do holocausto...
Deviam triunfar os fariseus...
A cidade acordou toda no fausto,
E à face das nações matava um Deus!
Palpitante, em frenético delírio
A turba lá passou: vai imolar!
Vai sagrar uma palma de martírio,
E é a fronte do Gólgota o altar!
Em derredor a humanidade atenta
Aguarda o sacrifício do Homem-Deus!
Era o íris no meio, da tormenta
O martírio do filho dos Hebreus!
Eis o monte, o altar do sacrifício.
Onde-se vai operar-se a redenção
Sobe a turba entoando um epinício
E caminha com ela o novo Adão!
E vai como ia outrora às sinagogas
As leis pregar do Sião e do Tabor!
É que no seu sudário as alvas togas
Vão cortar os tribunos do Senhor!
Planta-se a cruz. O Cristo está pendente;.
Cingem-lhe a fronte espinhos bem mortais;
E cospe-lhe na face a turba ardente,
E ressoam aplausos triunfais!
Ressoam corno em Roma a populaça
Aplaudindo o esforçado gladiador!
É que são no delírio a mesma raça,
A mesma geração tão sem pudor!
Ressoam como um cântico maldito
Pelas trevas do século a vibrar!
Mas as douradas leis de um novo rito
Vão ali no Calvário começar!
Sim, é a hora. A humanidade espera
Entre as trevas da morte e a eterna luz;
Não é a redenção uma quimera,
Ei-la simbolizada nessa cruz!
É a hora. Esgotou-se a amarga taça;
Tudo está consumado; ele morreu,
E aos cânticos da ardente populaça
Em luto a natureza se envolveu!
Povos! realizou-se a liberdade,
E toda consumou-se a redenção!
Curvai-vos ante o sol da Cristandade
E as plantas osculai do novo Adão!
Ide, ao som das sagradas melodias,
Orar junto do Cristo como irmãos,
Que os espinhos da fronte do Messias
São as rosas da fronte dos cristãos!
UMA FLOR? - UMA LÁGRIMA
Out. 185
-Por que há de a musa que coroam rosas
Da rocha inculta só rebentam cardos:
Lágrima fria de pisados olhos
Não cabe em chão de pérolas.
-Por que há de a musa que coroam rosas
Vir debruçar-se no ervaçal inculto,
E pedir um perfume à flor da noite
Que o vento enregelara?
Minha musa é a virgem das florestas
Sentada à sombra da palmeira antiga-,
Cantando, e só - por uma noite amarga
Uma canção de lágrimas ...
A aura noturna perpassou-lhe as tranças,
A mão do inverno enregelou-lhe os seios,
Roçou-lhe as asas na carreira ardente
O anjo das tempestades.
Por que há de a musa que coroam rosas
Pedir-lhe um canto? O alaúde é belo
Quando amestrada mão lhe roça as cordas
Num canto onipotente.
Pede-se acaso à ave que rasteja
Rasgado vôo? ao espinhal perfumes?
Risos d-a madrugada ao céu da noite
Sem luar nem estrelas?
Pedem-se as rosas aos jardins da vida;
Da rocha inculta só rebentam cardos;
Lágrima fria de pisados olhos
Não cabe em chão de pérolas.
CONDÃO
C'est que j'ai recontré des regards dont la flamme
Semble avec mes regards ou briller ait mourir.
E. DESCHAMPS
UNS OLHOS me enfeitiçaram.
Uns olhos foram os teus.
Falaram tanto de amores
Embebidos sobre os meus!
Eu dormi, - pobre insensato,
Ao fogo do teu olhar...
Pobre, doida mariposa,
Perdi-me... - pecados meu!
Na chama que me atraía,
No fogo dos olhos teus.
Eram anjos que dormiam
Dessas pálpebras à flor
Nas convulsões palpitantes
Dos alvos sonhos de amor.
Venci protestos de outrora,
Moirei no teu alcorão,
E vim purgar nesses olhos
Pecados do coração.
Foi à noite... hora das fadas;
Bem lhes sentira o condão;
Mas refletiam tão puras
Os sonhos do coração!
Como o ao sol do meio-dia
Dorme a onda à flor do mar,
Pois bem hajam os teus olhos,
Onde um tal condão achei:
Doido inseto em torno à chama,
Todo aí me queimarei.
A AUGUSTA
1859
EM TEU CAMINHO tropeçaste - agora!
Cala esse pra,-ito, minha pobre flor.
Caída mesmo - tropeçando embora,
Conserva a alma um último pudor.
Deve ser grande esse martírio lento...
Já nos espinhos a minha alma pus;
Sou como um Cireneu do sofrimento;
Deixa-me ao menos carregar-te a cruz.
Eu sei medir as lágrimas vertidas
Na sombra e só sem uma mão sequer!
Vês tu as minhas pálpebras doridas?
Têm chorado talvez por ti, mulher!
É fraqueza chorar? chorei contigo;
Que a mesma nos banhou de luz
Como em nirn uni pesar profundo e antigo
No falar dessa fronte se traduz!
Sei como custa desfolhar um riso
Em face às turbas, que o senti por mim,
Ver o inferno e falar do paraíso,
Sentir os golpes e abraçar Caim!
Chorei que prantos! prometeu atado
Ao rochedo da vida e sem porvir!
Poeta neste século infamado
Que mata as almas e condena a rir.
Cansei, perdi aquela fé robusta
Que como a ti, nos sonhos me sorriu;
Na identidade do calvário, Augusta,
Bem vês como o destino nos mentiu!
Ergue-te pois! A redenção agora
Dá-te mais viço, minha pobre flor!
Se tropeçaste no caminho embora!
Na tua queda é-te bordão - o amor!
SONETO CIRCULAR
16 abr. 1895
A BELA DAMA ruiva e descansada,
De olhos longos, macios e perdidos,
C'um dos deãos calçados e compridos
Marca a recente página fechada.
Cuidei que, assim pensando, assim colada
Da fina tela aos flóridos tecidos,
Totalmente calados os sentidos,
Nada diria, totalmente nada.
Mas, eis da tela se despega e anda,
E diz-me: - "Horácio, Heitor Cibrão, Miranda,
C. Pinto, X. Silveira, F . Araújo,
Mandam-me aqui para viver contigo."
Ó bela dama, a ordens tais não fujo.
Que bons amigos são! Fica comigo.
ÍCARO
1859
QUE QUERES tu que eu te peça?
Um olhar que não consola?
Podes guardar essa esmola
Para quem ta for pedir,
A um olhar de volúpia
Que ensina discreto espelho
Queres que eu curve o joelho
E quebre todo um porvir?
É audaz o pensamento.
Não vês que um olhar é pouco?
Eu fora cobarde e louco
Se te aceitasse um olhar!
A flor da pálida face,
Esse raio luminoso,
É a esperança de um gozo
Que bem se pode evitar.
Alma de fogo encerrada
Em livre, em audaz cabeça
Não pode crer na promessa
Que os olhos, que os olhos dão!
Talvez levada de orgulho
Com este amor insensato
Quer a verdade do fato
Para dá-la ao coração.
Este fogo que me impele
Para a esfera dos desejos
Cresce, vigora nos beijos
De uma boca de mulher,
Tem asas como as das águias;
Nem pousa sobre o granito;
Aspira para o infinito;
Pede tudo e tudo quer!
E sabes o que eu te dera?
Nem tu calculas o preço
Olha bem se te mereço
Mais que um só olhar dos teus:
Dera-te todo um futuro
Quebrado a teus pés, quebrado,
Como um mundo derrocado
Caído das mãos de Deus!
Ê ambição desmedida?
Prevejo tal pensamento:
A inclinação de um momento
Não me dá direito a mais.
A chama ainda indecisa
Uma hora alimentaste,
E agora que recuaste
Quebras os laços fatais.
Era uma troca por troca,
Ambos perdiam no abraço
Mas estreitava-se o espaço
Que nos separa talvez.
Foras um sonho que eu tive,
Uma esperança bem pura;
Foras meu céu de ventura
Em toda a sua nudez!
Era tarde! As fibras todas
Já vão meio consumidas;
Perdi na vida — mil vidas
Que é preciso resgatar.
Bem vês que a perda foi grande.
Quero um preço equivalente;
Guarda o teu olhar ardente
Que não me paga um olhar.
Que este fogo que me impele
Para a esfera dos desejos
Cresce, vigora nos beijos
De uma boca de mulher;
Tem asas como as das águias;
Nem pousa sobre o granito;
Aspira para o infinito,
Pede tudo e tudo quer!
CORAÇÃO PERDIDO
BUSCAS DEBALDE o meigo passarinho
Que te fugiu;
Como quer que isso foi, o coitadinho
No brando ninho
Já não dormiu.
O coitado abafava na gaiola,
Faltava-lhe o ar;
Como foge um menino de uma escola,
O mariola
Deitou-se a andar.
Demais, o pobrezito nem sustento
Podia ter;
Nesse triste e cruel recolhimento
O simples vento
Não é viver.
Não te arrepeles. Dá de mão ao pranto;
Isso que tem?
Eu sei que ele fazia o teu encanto;
Mas chorar tanto
Não te convem.
Nem vás agora armar ao bandoleiro
Um alçapão;
Passarinho que sendo prisioneiro
Fugiu matreiro
Não volta, não!
FASCINAÇÃO
Tes lèvres, sans parier me disaient: - Que je t'aime
Et ma bouche muette ajoutait: - Je te crois!
Mme. DESBORDES-VALMORE
A VEZ PRIMEIRA que te ouvi dos lábios
Urna singela e doce confissão,
E que travadas nossas mãos, eu pude
Ouvir bater teu casto coração,
Menos senti do que senti na hora
Em que, humilde - curvado ao teu poder,
Minha ventura e minha desventura
Pude, senhora, nos teus olhos ler.
Então, corno por vínculo secreto,
Tanto no teu amor me confundi,
Que um sono puro me tomou da vida
É que os olhos, melhor que os lábios, falam
É que os olhos, melhor que os lábios, falam
Verbo sem som, à alma que é de luz
- Ante a fraqueza da palavra humana -
O que há de mais divino o olhar traduz.
Por ti, nessa união íntima e santa,
Como a um toque de graça do Senhor,
Ergui minh'alma que dormiu nas trevas,
E me sagrei na luz do teu amor.
Quando a tua voz puríssima - dos lábios,
De teus lábios já trêmulos correu,
Foi alcançar-me o espírito encantado
Que abrindo as asas demandara o céu.
De tanta embriaguez, de tanto sonho
Que nos resta? Que vida nos ficou?
Uma triste e vivíssima saudade ...
Essa ao menos o tempo a não levou.
Mas, se é certo que a baça mão da morte
A outra vida melhor nos levará,
Em Deus, minh'alma adormeceu contigo,
Em Deus, contigo um dia acordará.
O CASAMENTO DO DIABO
(Imitação do alemão)
SATÃ TEVE um dia a idéia
De casar. Que original!
Queria mulher não feia,
Virgem corpo, alma leal.
Toma um conselho de amigo,
Não te cases, Belzebu;
Que a mulher, com ser humana
É mais fira do que tu.
Resolvido no projeto,
Para vê-lo realizar,
Quis procurar objeto
Próprio do seu paladar.
Toma um conselho de amigo,
Não te cases, Belzebu;
Que a mulher, com ser humana.
É mais fina do que tu.
Cortou unhas, cortou rabo,
Cortou as pontas, e após
Saiu o nosso diabo
Como o herói dos heróis.
Toma um conselho de amigo,
Não te cases, Belzebu;
Que à mulher, com ser humana
É mais fina do que tu.
Casar era a sua dita;
Correu por terra e por mar,
Encontrou mulher bonita
E tratou de a requestar.
Toma um conselho de amigo,
Não te cases, Belzebu;
Que a mulher, com ser humana
É mais fina do que tu.
Ele quis, ela queria,
Puseram mão sobre mão,
E na melhor harmonia
Verificou-se a união.
Toma um conselho de amigo,
Não te cases, Belzebu;
Que a mulher, com ser humana
É mais fira do que tu.
Passou-se um ano, e ao diabo,
Não lhe cresceram por fim,
Nem as unhas, nem o rabo...
Mas as pontas, essas sim.
Toma um conselho de amigo,
Não te cases, Belzebu;
Que a mulher, com ser humana
É mais fina do que tu.
HINO PATRIÓTICO
BRASILEIROS! haja um brado
Nesta terra do Brasil:
Antes a morte de honrado
Do que a vida infame e vil!
Brasileiros! haja um brado
Nesta terra do Brasil:
Antes a morte de honrado
Do que a vida infame e vil!
O leopardo aventureiro,
Garra curva, olhar feroz,
Busca o solo brasileiro,
Ruge e investe contra nós.
Quer estranho despotismo
Lançar-nos duro grilhão;
Será o sangue o batismo
Da nossa jovem nação
Brasileiros! haja um brado
Nesta terra do Brasil:
Antes a morte de honrado
Do que a vida infame e vil!
Pareça a nossa memória
Salva a honra do Brasil.
Brasileiros! haja um brado
Nesta terra do Brasil:
Antes a morte de honrado
Do que a vida infame e vil!
Pela liberdade ufana,
Ufana pela honradez,
Esta terra americana.
Bretão, não te beija os pés.
Podes vir, nação guerreira;
Nesta suprema aflição,
Cada peito é uma trincheira,
Cada bravo um Cipião.
Brasileiros! haja um brado
Nesta terra do Brasil:
Antes a morte de honrado
Do que a vida infame e vil!
Nação livre, é nossa glória
Rejeitar grilhão servil;
Brasileiros! haja um brado
Nesta terra do Brasil:
Antes a morte de honrado
Do que a vida infame e vil!
A CÓLERA DO IMPÉRIO
DE PÉ! - Quando o inimigo o solo invade
Ergue-se o povo inteiro; e a espada em punho
É como um raio vingador dos livres!
Que espetáculo é este! - Um grito apenas
Bastou para acordar do sono o império!
Era o grito das vítimas. No leito,
Em que a pusera Deus, o vasto corpo
Ergue a imensa nação. Fulmíneos olhos
Lança em torno de si: - lúgubre aspecto
A terra patenteia; o sangue puro,
O sangue de seus filhos corre em ondas
Que dos rios gigantes da floresta
Tingem as turvas, assustadas águas.
Talam seus campos legiões de ingratos.
Como um cortejo fúnebre, a desonra
E a morte as vão seguindo, e as vão guiando,
Ante a espada dos bárbaros, não vale
A coroa dos velhos; a inocência
Debalde aperta ao seio as vestes brancas...
É preciso cair. Pudor, velhice,
Não nos conhecem eles. Nos altares
Daquele gente, imola-se a virtude!
------------------
O império estremeceu. A liberdade
Passou-lhe às mãos o gládio sacrossanto,
O gládio de Camilo. O novo Breno
Já pisa o chão da pátria. Avante! avante!
Leva de um golpe aquela turba infrene!
É preciso vencer! Manda a justiça,
Manda a honra lavar com sangue as culpas
De um punhado de escravos. Ai daquele
Que a face maculou da terra livre!
Cada palmo do chão vomita um homem!
E do Norte, e do Sul, como esses rios
Que vão, sulcando a terra, encher os mares,
À falange comum os bravos correm!
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Então (nobre espetáculo, só próprio
De almas livres!) então rompem-se os elos
De homens a homens. Coração, família,
Abafam-se, aniquilam-se: perdura
Uma idéia, a da pátria. As mães sorrindo
Armam os filhos, beijam-nos; outrora
Não faziam melhor as mães de Esparta.
Deixa o tálamo o esposo; a própria esposa
É quem lhe cinge a espada vingadora.
Tu, brioso mancebo, às aras foges,
Onde himeneu te espera; a noiva aguarda
Cingir mais tarde na virgínea fronte
Rosas de esposa ou crepe de viúva.
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E vão todos, não pérfidos soldados
Como esses que a traição lançou nos campos;
Vão como homens. A flama que os alenta
É o ideal esplêndido da pátria.
Não os move um senhor; a veneranda
Imagem do dever é que os domina.
Esta bandeira é símbolo; não cobre,
Como a deles, um túmulo de vivos.
Hão de vencer! Atônito, confuso,
O covarde inimigo há de abater-se;
E da opressa Assunção transpondo os muros
Terá por prêmio a sorte dos vencidos.
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Basta isso? Ainda não. Se o império é fogo,
Também é luz: abrasa, mas aclara.
Onde levar a flama da justiça,
Deixa um raio de nova liberdade.
Não lhe basta escrever uma vitória,
Lá, onde a tirania oprime um povo;
Outra, tão grande, lhe desperta os brios;
Vença uma vez no campo, outra nas almas;
Quebre as duras algemas que roxeiam
Pulsos de escravos. Faça-os homens.
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Treme,
Treme, opressor, da cólera do império!
Longo há que às tuas mãos a liberdade
Sufocada soluça. A escura noite
Cobre de há muito o teu domínio estreito;
Tu mesmo abriste as portas do Oriente;
Rompe a luz; foge ao dia! O Deus dos justos
Os soluços ouviu dos teus escravos,
E os olhos te cegou para perder-te!
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O povo um dia cobrirá de flores,
A imagem do Brasil. A liberdade
Unirá como um elo estes duos povos.
A mão, que a audácia castigou de ingratos,
Apertará somente a mão de amigos.
E a túnica farpada do tirano,
Que inda os quebrados ânimos assusta,
Será, aos olhos da nação remida,
A severa lição de extintos tempos!
DAQUI DESTE ÂMBITO ESTREITO
DAQUI, deste âmbito estreito,
Cheio de risos e galas,
Daqui, onde alegres falas
Soam na alegre amplidão,
Volvei os olhos, volvei-os
Ao céu, com trêmulos lábios,
Em seus tormentos atrozes
Ergueram súplices vozes,
A fome? Sabeis acaso
O que é a fome, esse abutre
Que em nossas carnes se nutre
E a fria morte nos traz?
A regiões mais sombrias,
Vereis cruéis agonias,
Terror da humana razão.
Gritos de dor e aflição;
Depois as mãos estendendo,
Naquela triste orfandade,
Vêm implorar caridade,
Mais que à bolsa, ao coração.
Trêmulos braços alçando,
Entre os da morte e os da vida,
Solta a voz esmorecida,
Sem pão, sem agua, sem luz,
Um povo de irmãos, um povo
Desta terra brasileira,
Filhos da mesma bandeira,
Remidos na mesma cruz.
A terra lhes foi avara,
A terra a tantos fecunda;
Veio a miséria profunda,
A fome, o verme voraz.
O coração sois vós todos,
Vós que as súplicas ouvistes;
Vós que às misérias tão tristes
Lançais tão espesso véu.
Choverão bênçãos divinas
Aos vencedores da luta:
De cada lágrima enxuta
Nasce uma graça do céu.
A FRANCISCO PINHEIRO GUIMARÃES
OUVISTE o márcio estrépito
E a mão lançando à espada
Foste, soldado indômito,
Vingar a pátria amada,
Do universal delírio
Aceso o coração.
Mas tu, audaz e impávido,
No ardor de cem porfias,
A mão dum ser angélico,
Herói guiou teus dias;
E no amplo livro inscreveu-te
Dos novos capitães!
Foste, e na luta férvida,
(Glória e terror das almas)
De quais loureiros vividos
Colheste eternas palmas,
Diga-o ao mundo e à história
A boca da nação!
Se hoje co'as roupas cândidas
Voltou a paz à terra,
Não, não te basta o esplêndido
Louro da extinta guerra;
De outra gentil vitória
A palma aqui terás.
Custa sentidas lágrimas
A glória; a terra bebe
Sangue de heróis e mártires
Que a morte ali recebe;
Da santa pátria o júbilo
Custa a melhor das mães.
Chamam-te as musas, chama-te
A imensa voz do povo,
Que em seu aplauso unânime
Te guarda um prêmio novo;
Vem lutador do espírito,
Colhe os lauréis da paz.
A MEMÓRIA DO ATOR TASSO
VÓS QUE ESTA sala encheis, e a lágrima sentida
E o riso de prazer conosco misturais,
E depois de viver da nossa mesma vida
Ao lar tranqüilo e bom contentes regressais;
Que perdeis? Um noute; algumas horas. Tudo,
Alma, vida, razão, tudo vos damos nós:
Um perpétuo lidar, um continuado estudo,
Que um só prêmio conhece, um fim único: vós.
E este chão, que juncais de generosas flores,
É nossa alegre estrada, e vamos sem sentir,
Sem jamais indagar as encobertas dores
Que em seu seio nos traz o sombrio porvir.
Além, além do mar que separa dous mundos,
Um artista que foi glória nossa e padrão,
Quando à terra subiu dos êxtases profundos
Terna esposa deixou na mágoa e na aflição.
Hoje, que vos convida uma intenção piedosa,
Que escutais de além-mar uma súplice voz,
Hoje, a mão estendeis à desvalida esposa;
Obrigada por ele! obrigada por nós!
NO ÁLBUM DO SR. QUINTELA
FAZ-SE a melhor harmonia
Com elementos diversos;
Mesclam-se espinhos às flores:
Posso aqui pôr os meus versos.
VERSOS
Escritos no álbum da Exma Sra D. Branca P. da C.
PEDE ESTRELAS ao céu, ao campo flores;
Flores e estrelas ao gentil regaço
Virão da terra ou cairão do espaço,
Por te cobrir de aromas e esplendores.
Versos ... pede-os ao vate peregrino
Que ao céu tomando inspirações das suas,
A tua mocidade e as graças tuas
Souber nas notas modular de um hino.
Mas que flores, que versos ou que estrelas
Pedir-me vens? A musa que me inspira
Mal poderia celebrar na lira
Dotes tão puros e feições tão belas.
Pois que me abris, no entanto, a porta franca
Deste livro gentil, casto e risonho
Uma só flor, uma só flor lhe ponho
E seja o nome angélico de Branca.
SONETO
CARO ROCHA Miranda e companhia
Muzzio, Melo, Cibrão, Arnaldo e Andrade,
Enfim, a toda a mais comunidade
Manda saudades o Joaquim Maria.
Sou forçado a não ir à freguesia;
Tenho entre mãos, com pressa e brevidade,
Um trabalho de grande seriedade
Que hei de acabar mais dia menos dia.
Esta é a razão mais clara e pura
Pelo qual, meus amigos, vos remeto
Uma insinuação de vagatura.
Mas, na segunde-feira vos prometo
Que haveis de ter (minha barriga o jura)
Mais uma canja e menos um soneto.
NAQUELE ETERNO AZUL,
ONDE COEMA
NAQUELE ETERNO azul, onde Coema,
Onde Lindóia, sem temor dos anos,
Erguem os olhos plácidos e ufanos,
Também os ergue a límpida Iracema.
Elas foram, nas águas do poema,
Cantadas pela voz de americanos,
Mostrar às gentes de outros oceanos
Jóias do nosso rútilo diadema.
E, quando a magna voz inda afinavas
Foges-nos, como se a chamar sentiras
A voz da glória pura que esperavas.
O cantor do Uruguai e o dos Timbiras
Esperavam por ti, tu lhe faltavas
Para o concerto das eternas liras.
DAI À OBRA DE MARTA
UM POUCO DE MARIA
DAI À OBRA de Marta um pouco de Maria,
Dai um beijo de sol ao descuidado arbusto;
Vereis neste florir o tronco erecto e adusto,
E mais gosto achareis naquela e mais valia.
A doce raras não perde o seu papel augusto,
Nem o lar conjugal a perfeita harmonia.
Viverão dous aonde um até 'qui vivia,
E o trabalho haverá haverá menos difícil custo.
Urge a vida encarar sem a mole apatia,
Ó mulher! Urge pôr no gracioso busto,
Sob o tépido seio, um coração robusto.
Nem erma escuridão, nem mal-aceso dia.
Basta um jorro de sol ao descuidado arbusto,
Basta à obra de Marta um Pouco de Maria.
RELÍQUIA ÍNTIMA
ILUSTRÍSSIMO, caro e velho amigo,
Saberás que, por um motivo urgente,
Na quinta-feira, nove do corrente,
Preciso muito de falar contigo.
E aproveitando o portador te digo,
Que nessa ocasião terás presente,
A esperada gravura de patente
Em que o Dante regressa do Inimigo.
Manda-rne pois dizer pelo bombeiro
Se às três e meia te acharás postado
Junto à porta do Garnier livreiro:
Senão, escolhe outro lugar azado;
Mas dá logo a resposta ao mensageiro,
E continua a crer no teu Machado.
A DERRADEIRA INJÚRIA
E ainda, ninfas minhas não bastava...
CAMÕES, Lus., VII, 81.
I
VÊS UM FÉRETRO posto em solitária igreja?
Esse pó que descansa, e se esconde, e se some,
Traz de um grande ministro o formidável nome,
Que em vivas letras de ouro e lágrimas flameja.
Lá fora urna invasão esquálida braceja,
Como um mar de miséria e luto, que tem fome,
E novas praias busca e novas praias come,
Enquanto a multidão, recuando, peleja.
O gaulês que persegue, o bretão que defende,
Duas mãos de um destino implacável e oculto,
Vão sangrando a nação exausta que se rende;
Dentre os mortos da história um só único vulto
Não ressurge; um Pacheco, um Castro não atende;
E a cobiça recolhe os despojos do insulto.
II
Ora, na solitária igreja em que se há posto
O féretro, se alguém pudesse ouvir, ouvira
Uma voz cavernosa e repassada de ira,
De tristeza e desgosto.
Era uma voz sem rosto,
Um eco sem rumor, uma nota sem lira.
Como que o suspirar do cadáver disposto
A rejeitar o leito eterno em que dormira.
E ninguém, salvo tu, ó pálido, ó suave
Cristo, ninguém, exceto uns três ou quatro santos,
Envolvidos e sós, nós seus sombrios mantos,
Ninguém ouvia em toda aquela escura nave
Dessa voz tão severa, e tão triste, e tão grave,
Murmurados a medo, as cóleras e os prantos.
III
E dizia essa voz: - "Eis, Lusitânia, a espada
Que reluz, como o sol, e como o raio, lança
Sobre a atônita Europa a morte ensangüentada.
"Venceu tudo; ei-la aí que te fere e te alcança,
Que te rasga e te põe na cabeça prostrada
O terrível sinal das legiões de França.
"E, como se o furor, e, como se a ruína
Não bastassem a dar-te a pena grande e inteira,
Vem juntar-se outra dor à tua dor primeira,
E o que a espada começa a tristeza termina.
"És o campo funesto e rude em que se afina
Pugna estranha; não tens a glória derradeira,
De devolver farpada e vencida a bandeira,
E ser Xerxes embora, ao pé de Salamina.
IV
"No entanto, ao longe, ao longe uma comprida história
De batalhas e descobertas,
Um entrar de contínuo as portas da memória
Escancaradamente abertas,
"Enchia esta nação, que aprendera a vitória
Naquela crespa idade antiga,
Quando, em vez do repouso, era a lei da fadiga,
E a glória coroava a glória.
"E assim foi, palmo a palmo. e reduto a reduto,
Que um punhado de heróis. que um embrião de povo
Levantara este reino novo;
"E livre, independente, esse áspero produto
Da imensa forja pôde, achegando-se às plagas,
Fitar ao longe as longas vagas.
V
"Era escasso o torrão; por compensar-lhe a míngua,
Assim foi que dobraste aquele oculto cabo,
Não sabido de Plínio , ignorado de Estrabo,
E que Homero cantou em uma nova língua.
"Assim foi que pudeste haver África adusta,
Ásia, e esse futuro e desmedido império,
Que no fecundo chão do recente hemisfério
A semente brotou da tua raça augusta.
"Eis, Lusitânia, a obra. Os séculos que a viram
Emergir, com o sol dos mares, e a poliram,
Transmitem-lhe a memória aos séculos futuros.
"Hoje a terra de heróis sofre a planta inimiga...
Quem pudera mandar aqueles peitos duros!
Quem soubera empregar aquela força antiga!"
VI
E depois de um silêncio: - "Um dia, um dia, um dia
Houve em que nesta nobre e antiga monarquia,
Um homem. - paz lhe seja e a quantos lhe consomem
A sagrada memória, - houve um dia em que um homem.
"Posto ao lado do rei e ao lado do perigo
Viu abater o chão; viu as pedras candentes
Ruírem; viu o mal das Cousas e das gentes,
E um povo inteiro nu de pão, de luz e abrigo.
"Esse homem, ao fitar uma cidade em ossos,
Terror, dissolução, crime, fome, penúria,
Não se deixou cair coos últimos destroços.
"Opôs a força à força, opôs a pena à injúria,
Restituiu ao povo a perdida hombriedade,
E donde era uma ruína ergueu uma cidade.
VII
"Esse homem eras tu, o alma que repousas
Da cobiça, da glória e da ambição do mando,
Eras tu, que um destino, e propício, e nefando,
Ao fastígio elevou dos homens e das cousas.
"Eras tu que da sede ingrata de ministro
Fizeste um sólio ao pé do sólio; tu, sinistro
Ao passado, tu novo obreiro, áspero e duro,
Que traçavas no chão a planta do futuro.
"Tu querias fazer da história uma só massa
Nas tuas fortes mãos, tenazes como a vida,
A massa obediente e nua.
"A luminosa efígie tua
Quiseste dar-lhe, como à brônzea estátua erguida,
Que o século corteja, inda assustado, e passa.
VIII
"Contra aquele edifício velho
Da nobreza, - elevado ao lado do edifício
Da monarquia e do evangelho,-
Tu puseste a reforma e puseste o suplício.
"Querias destruir o vício
Que a teus olhos roía essa fábrica enorme,
E começaste o duro ofício
Contra o que era caduco, e contra o que era informe.
"Não te fez recuar nesse áspero duelo
Nem dos anos a flor, nem dos anos o gelo,
Nem dos olhos das mães as lágrimas sagradas.
"Nada; nem o negror austero da batina,
Nem as débeis feições da graça feminina
Pela veneração e pelo amor choradas.
IX
"Ah! se por um prodígio especial da sorte,
Pudesses emergir das entranhas da morte,
Cheio daquela antiga e fera gravidade,
Com que salvaste uma cidade;
"Quem sabe? Não houvera em tão longa campanha
Ensangüentado o chão do luso a planta estranha,
Nem correra a nação tal dor e tais perigos
Às mãos de amigos e inimigos.
Tu serias o mesmo aspérrimo e impassível
Que viu, sem desmaiar, o conflito terrível
Da natureza escura e da escura alma humana;
"Que levantando ao céu a fronte soberana,
- "Eis o homem!" disseste, - e a garra do destino
Indelével te pôs o seu sinal divino".
X
E, soltado esse lamento
Ao pé do grande moimento,
Calou-se a voz, dolorida
De indignação.
Nenhum outro som de vida
Naquela igreja escondida...
Era uma pausa, um momento
De solidão.
E continuavam fora
A morte, dona e senhora
Da multidão;
E devastava a batalha,
Como o temporal que espalha
Folhas ao chão.
XI
E essa voz era a tua, ó triste e solitário
Espírito! eras tu, forte outrora e vibrante,
Que pousavas agora, - apenas cintilante,-
Sobre o féretro, como a luz de um lampadário.
Era tua essa voz do asilo mortuário,
Essa voz que esquecia o ódio triunfante
Contra o que havia feito a tua mão possante,
E a inveja que te deu o pontual salário.
E contigo falava uma nação inteira,
E gemia com ela a história, não a história
Que bajula ou destrói, que morde ou santifica.
Não; mas a história pura, austera, verdadeira,
Que de uma vida errada a parte que lhe fica
De glória, não esconde às ovações da glória.
XII
E, tendo emudecido essa garganta morta,
O silêncio voltara àquela nave escura,
Quando subitamente abre-se a velha porta,
E penetra na igreja urna estranha figura.
Depois outra, e mais outra, e mais três, e mais quatro.
E todas, estendendo os braços, vão abrindo
As trevas. costeando os muros, e seguindo
Como a conspiração nas tábuas de um teatro.
E param juntamente em derredor do leito
Último em que descansa esse único despojo
De uma vida, que foi uma longa batalha.
E enquanto um fere a luz que as tênebras espalha,
Outro, com gesto firme e firmíssimo arrojo,
Toma nas cruas mãos aquele rei desfeito.
XIII
Então... O homem que viu arrancarem-lhe nos braços
Poder, glória, ambição, tudo o que amado havia;
Esse que foi o sol de um século, que um dia,
Um só dia bastou para fazer pedaços;
Que, se aos ombros atara uma púrpura nova,
Viu, farrapo a farrapo, arrancarem-lha aos ombros;
Que padecera em vida os últimos assombros,
Tinha ainda na morte urna ultima prova.
Era a brutal rapina, anônima, noturna,
Era a mão casual, que espedaçava a urna
A troco de um galão, a troco de uma espada;
Que, depois de tomar-lhe esses sinais funestos
Da sombra de um poder, pegou dos tristes restos,
Ossos só, e espalhou pela nave sagrada.
XIV
Assim pois, nada falta à glória deste mundo,
Nem a perseguição repleta de ódio e sanha,
Nem a fértil inveja, a lívida campanha,
De tudo o que radia e tudo que é profundo.
Nada falta ao poder, quando o poder acaba;
Nada; nem a calúnia, o escárnio, a injúria, a intriga,
E, por triste coroa à merencória liga,
A ingratidão que esquece e a ingratidão que baba.
Faltava a violação do último sono eterno,
Não para saciar um ódio insaciável,
Insaciável como os círculos do inferno.
E deram-ta; eis-te aí, ó grande invulnerável,
Eis-te ossada sem nome, esparsa e miserável,
Sobre um pouco de chão do ninho teu paterno.
RÉFUS
A JAIME DE SÉGUIER
NON, já ne paye pas, car il est incomplet
Cet ouvrage. On y voit, certes, la belle touche
Que ton léger pinceau met à tout ce qu'il touche;
Et, pour un beau sonnet, c'est un fort beau sonnet,
Ce sont-là mes cheveux, c'est bient-là le reflet
De mes yeux noirs. Je ris devant ma propre bouche.
Je reconnais cet air tendre ainsi que farouche
Qui fait toute ma force et tout mon doux secret.
Mais, cher peintre du ciel, il manque à ton ouvrage
De ne pas être dix, tous également doux,
Vibrant d'âme, et parfaits d'art profond, riche et sage.
Adieu, donc, le contrat! Je le tiens pour dissous,
Car, pour de beaux portraits, pleins de charme et de vie,
Pour un baiser, je veux toute une galerie.
ENTRA CANTANDO, ENTRA
CANTANDO, APOLO!
1891
ENTRA CANTANDO, entra cantando, Apolo!
Entra sem cerimônia, a casa é tua;
Solta versos ao sol, solta-os à lua,
Toca a lira divina, alteia o colo.
Não te embarace esta cabeça nua;
Se não possui as primitivas heras,
Vibra-lhe ainda a intensa vida sua,
E há outonos que valem primaveras.
Aqui verás alegre a casa e a gente,
Os adorados filhos, - terno e brando
Consolo ao coração que os ama e sente.
E ouvirás inda o eco reboando
Do canto dele, que terás presente.
Entra cantando, Apolo, entra cantando.
A GUIOMAR
1892
RI, GUIOMAR, anda ri. Quando ressoa
Tua alegre risada cristalina,
Ouço a alma da moça e da menina,
Ambas na mesma lépida pessoa.
E então reparo, como o tempo voa,
Como a rosa nascente e pequenina
Cresceu, e a graça fresca apura e afina...
Ri, Guiomar, anda, ri, mimosa e boa.
A bela cor, o aroma delicado,
Por muitos anos crescerão ainda,
Ao vivo olhar do noivo teu amado.
Para ti, cara flor, a vida é infinda,
O tempo amigo, longo e repousado.
Ri, Guiomar, anda, ri , discreta e linda.
PRÓLOGO DO INTERMEZZO
(H. Heine)
UM CAVALHEIRO havia, taciturno,
Que o rosto magro e macilento tinha.
Vagava como quem de algum noturno
Sonho levado, trépido caminha.
Tão alheio, tão frio, tão soturno,
Que a moça em flor e a lépida florinha,
Quando passar tropegamente o viam,
Às escondidas dele escarneciam.
A miúdo buscava a mais sombria
Parte da casa, por fugir à gente;
Daquele posto os braços estendia
Tomado de desejo impaciente.
Uma palavra só não proferia.
Mas, pela meia-noite, de repente,
Estranho canto e música escutava,
E logo alguém que à porta lhe tocava
Furtivamente então entrava a amada
O vestido de espumas arrastando,
Tão vivamente fresca e tão corada
Como a rosa que vem desabrochando;
Brilha o véu; pela esbelta e delicada
Figura as tranças soltas vão brincando;
Os meigos olhos dela os dele fitam,
E um ao outro de ardor se precipitam.
Com a força que amor somente gera,
O peito a cinge, agora afogueado;
O descorado as cores recupera,
E o retraído acaba namorado,
O sonhador desfaz-se da quimera...
Ela o excita, com gesto calculado;
Na cabeça lhe lança levemente
O adamantino véu alvo e luzente.
Ei-lo se vê em sala cristalina
De aquático palácio. Com espanto
Olha, e de olhar a fábrica divina
Quase os olhos lhe cegam. Entretanto,
Junto ao úmido seio a bela ondina
O aperta tanto, tanto, tanto, tanto...
Vão as bodas seguir-se. As notas belas
Vêm tirando das cítaras donzelas.
As notas vêm tirando, e deleitosas
Cantam, e cada uma a dança tece
Erguendo ao ar as plantas graciosas.
Ele, que todo e todo se embevece,
Deixa-se ir nessas horas amorosas...
Mas o clarão de súbito fenece,
E o noivo torna à pálida tristura
Da antiga, solitária alcova escura.
CAROLINA
1906
QUERIDA, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.
Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda a humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs um mundo inteiro.
Trago-te flores, - restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa e separados.
Que eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.
SONETO
[No Álbum da Rainha D. Amélia]
SENHORA, se algum dia aqui vierdes,
A estas terras novas e alongadas,
Encontrareis as vozes que perderdes
De outras gentes por vós há muito amadas,
E as saudades que então cá padecerdes,
Das terras vossas, velhas e deixadas,
Nestas cidades, nestes campos verdes,
Serão do mesmo nome acalentadas.
Mas nem só isto. Um só falar não basta,
A história o deu, um só falar dileto,
Da mesma compostura, antiga e casta.
Achareis mais outro falar discreto,
Sem palavras, que a vossa glória arrasta,
A mesma admiração e o mesmo afeto.
A FRANCISCA
NUNCA FALTARAM aos poetas (quando
Poetas são de veia e de arte pura),
Para cantar a doce formosura,
Rima canora, verso meigo e brando.
Mas eu triste poeta miserando,
Só tenho áspero verso e rima dura;
Em vão minh'alma sôfrega procura
Aqueles sons que outrora achava em bando.
Assim, gentil Francisca delicada,
Não achando uma rima em que te veja
Harmoniosamente bem rimada,
Recorrerei à Santa Madre Igreja
Que rime o nome de Francisca amada,
Com o nome de Heitor, que amado seja.