Dom Casmurro

CAPÍTULO CXII / AS IMITAÇÕES DE EZEQUIEL

Tal não faria Ezequiel. Não comporia bolas envenenadas, suponho, mas não as recusaria também. O que faria com certeza era ir atrás dos cães, a pedrada, até onde lhe dessem as pernas. E se tivesse um pau, iria a pau. Capitu morria por aquele batalhador futuro.

-- Não sai a nós, que gostamos da paz, disse-me ela um dia. mas papai em moço era assim também; mamãe é que contava.

-- Sim não sairá maricas, repliquei, eu só lhe descubro um defeitozinho gosta de imitar os outros.

-- Imitar como?

-- Imitar os gestos, os modos, as atitudes; imita prima Justina, imita José Dias; já lhe achei até um jeito dos pés de Escobar e dos olhos...

Capitu deixou-se estar pensando e olhando para mim, e disse afinal que era preciso emendá-lo. Agora reparava que realmente era vezo do filho, mas parecia-lhe que era só imitar por imitar, como sucede a muitas pessoas grandes, que tomam as maneiras dos outros; e para que não fosse mais longe...

-- Também não vamos mortificá-lo. Sempre há tempo de corrigi-lo.

-- Há, vou ver. Você também não era assim, quando se zangava com alguém...

-- Quando me zangava, concordo; vingança de menino.

-- Sim, mas eu não gosto de imitações em casa.

-- E naquele tempo gostavas de mim? disse eu batendo-lhe na face.

A resposta de Capitu foi um riso doce de escárnio, um desses risos que não se descrevem, e apenas se pintarão, depois estirou os braços e atirou-mos sobre os ombros, tão cheios de graça que pareciam (velha imagem!) um colar de flores. Eu fiz o mesmo aos meus, e senti não haver ali um escultor que nos transferisse a atitude a um pedaço de mármore. Só brilharia o artista, é certo. Quando uma pessoa ou um grupo saem bem, ninguém quer saber de modelo, mas da obra, e a obra é que fica. Não importa; nós saberíamos que éramos nós. Índice - Capítulo CXIII